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terça-feira, 2 de setembro de 2008

Apontamentos para uma abordagem histórica do conceito de "మొదేర్నో"


Apontamentos para uma abordagem histórica do conceito de moderno

Ronaldo Campos

(Mestre em Filosofia e professor do UNIBH)-భ


Em torno dos conceitos Modernização, Modernidade, Modernismo e Modernidade Tardia tem girado grande parte da reflexão sobre o mundo moderno. O termo Moderno se refere às manifestações artísticas e literárias[1] que tiveram início após a segunda metade do século XIX e prosseguiram no século XX. Todavia, não devemos nos esquecer que este termo está preso a um gigantesco emaranhado semântico. Segundo Malcolm Bradbury e James McFarlane, a acepção de moderno passa por alterações com uma rapidez muito maior do que termos semelhantes com funções análogas, como romântico ou neoclássico. Na verdade, como diz Lionel Trilling, ele pode dar tantas voltas em seu significado que acaba olhando na direção oposta.” [2] Mesmo correndo esse risco, os próximos parágrafos trarão uma tentativa de mapeamento da origem e do significado do termo moderno e de seus “derivados” modernidade, modernismo, modernização[3] e pós-modernismo[4].
De acordo com Habermas[5], o termo moderno em sua acepção latina modernus surgiu no século V para diferenciar o presente cristão do passado pagão. Ser moderno significa ter a clara consciência de distinção de uma época em relação ao seu passado, ou seja, é a resultante da passagem do velho para o novo.
Henri Lefebvre[6] nos informa que esse termo também foi encontrado nas cidades medievais do norte e do sul da França, sendo utilizado para distinguir os magistrados em final de mandato com aqueles que estavam começando. O termo moderno apresentava um duplo significado, a saber: o de renovação e o de regularidade cíclica de mudança.
No Renascimento Italiano, a cultura era concebida como retomada dos valores racionais da antiguidade clássica pagã em oposição ao misticismo medieval. Ser moderno significava ter plena consciência da formação de uma nova época, que se distancia do passado imediato, através da consolidação de valores renovados. O retorno às origens gregas era considerado algo normal, pois se acreditava que lá encontraríamos as respostas para todas as crises culturais e para construção do novo. Este último depende de um passado reconhecidamente ilustre para legitimá-lo. Os renascentistas reestruturaram o passado clássico de acordo com os valores humanistas.
Com a famosa Querelle entre lês anciens et les modernes (século XVII), o fascínio pela antiguidade clássica se dissolvera e surge a estética do novo como negação do classicismo e como proposta de mudança. Pela primeira vez encontramos no cerne da acepção de moderno o sentido de conflito e oposição em relação aos valores estabelecidos pela tradição. Ao aplicarem o método cartesiano, os modernos discutiram a autoridade clássica, colocando em questão vários conceitos, por exemplo, o de beleza. De acordo com as “novas” concepções, o racionalismo clássico limitava e neutralizava a imaginação, sendo por isto considerado inferior, tomando por base o progresso do conhecimento, da técnica e da sociedade européia de então.
Progressivamente, o termo moderno passa a ser relacionado com a ciência. O Moderno é a luz em contraste com as sombras do passado. Ser Moderno exige projetar racionalmente e livre da tirania e da superstição a nova sociedade. O projeto de uma nova sociedade foi elaborado a partir do conhecimento histórico e da analise objetiva dos fatos, com o fim de produzir as mudanças institucionais, o progresso e o aperfeiçoamento social e moral.
A modernidade[7] era concebida de forma linear, voltada para o futuro tendo como fim alcançar a perfeição. Projeto utópico de sociedade que defendia a emergência de uma cultura especializada como uma das fontes motivadoras para a obtenção da perfeição social.
A modernidade tornou-se um modo de vida social que atingiu amplos setores da sociedade, transformando o comportamento coletivo. A modernidade era ainda tida como sinônimo de progresso em oposição à tradição e como fenômeno positivo que gerava benefícios ao homem. Mas com o desenvolvimento do capitalismo industrial e financeiro permitiu que novas mudanças se processassem, como o crescimento demográfico, a concentração urbana, os desequilíbrios sociais, a divisão do trabalho mais acentuada, o aperfeiçoamento dos meios de comunicação de massa, etc... Transformando o próprio conceito de modernidade, pois este passou a se articular sobre a mudança, a inovação num ritmo mais dinâmico, a tensão e a crise, fugindo á meta dos iluministas. A modernidade se traduziu em estética / modernismo[8].
Há uma idéia do modernismo como uma evolução histórica associada a uma noção de crise e de um ponto culminante. Nos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra, o elemento moderno consistia em tranqüilidade, confiança, a livre atividade mental conquistando novas idéias em condições de bem-estar material; incluía a disposição de formular juízos racionais e a busca das leis das coisas. Todo o sentido moderno dos anos de 1880 estava impregnado por uma fé confiante no progresso social, por uma pronta disposição em acreditar o que desmascaramento dos abusos era um passo para a sua eliminação, que rejeição do passado convencional era uma preparação do caminho para um crescimento moral saudável. Nos anos imediatamente posteriores a 1ª Guerra, não era mais possível conter o desprezo e a amargura sentida pelo espírito de transformação que se apossava do moderno e de seus representantes. Era uma extraordinária mescla de futurista e niilista, de revolucionário e conservador, de naturalista e simbolista,... Foi um louvor e uma denúncia de uma era tecnológica; uma alegre adesão à crença de que os antigos regimes de cultura haviam acabado, e um profundo desespero com o receio por um tal fim; uma mistura das convicções de que as novas eram fugas ao historicismo e às pressões do tempo com as convicções de que eram exatamente as expressões vivas dessas mesmas coisas.
Mesmo com toda a dificuldade de definir e demarcar univocamente o conceito moderno é possível estabelecer algumas características comuns das múltiplas e distintas tendências modernistas: a deliberação de fazer uma arte em conformidade com sua época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo; o desejo de diminuir a distancia entre as belas artes e as aplicações aos diversos campos da produção econômica; a busca de uma funcionalidade decorativa; a aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou européia; o esforço em interpretar a espiritualidade que se dizia inspirar e redimir o industrialismo.
Os Modernos compreendem o seu mundo como essencialmente diferente de todos os mundos pré-moderno, independentemente de o encararem como superior ou inferior ao pré-moderno, independentemente também de, eventualmente, julgarem-no incomensurável. A Modernidade se afirma e reafirma por meio da negação. Podendo manter sua identidade somente se várias coisas mudarem constantemente e se pelo menos algumas coisas forem continuamente substituídas por outras. A modernidade prospera sobre conflitos internos, ou seja, quando um conflito é negado ou superado, novos conflitos ocupam imediatamente o seu lugar, e esse processo de negação / superação continua infinitamente. Os modernos não reconhecem limites, eles o transcendem. Eles desafiam a legitimidade das instituições, criticam-nas e rejeitam-nas, questionam tudo e, ao fazer isso, sustentam o ordenamento moderno, ao invés de destruí-lo. Tal dinâmica pode ser apreendida como um jogo por ter certas regras, embora não rígidas. Os jogadores são o velho e o novo. Normalmente, algo já existente é atacado do ponto de vista de um imaginário (futuro) e é assim transformado em algo “antigo” / “tradicional”. Mesmo assim, às vezes (e este é o ardil romântico), defende-se algo já acabado/morto (“mais antigo”) contra uma existente (“mais novo”). Quanto mais o ordenamento moderno é dado por suposto, mais o “novo” será associado ao “melhor”.

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NOTAS


[1] É comum associar o moderno na arte com um colapso do decoro tradicional na cultura ocidental, que previamente conectava a aparência das obras de arte à aparência do mundo natural. Os sintomas típicos são a tendência de as formas, cores e materiais da arte ganharem vida própria, produzindo combinações inusitadas oferecendo versões distorcidas ou exageradas das aparências da natureza e, em alguns casos, perdendo todo o contato óbvio com os objetos comuns de nossa experiência visual. Desse modo, para a maioria das pessoas, uma pintura que não se parece com nada “real” é classificada como arte moderna.
[2] BRADBURY, Malcom; MCFARLANE, James (orgs.) Modernismo; Guia Geral. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. p.15.
[3] Modernização se refere a uma serie de processos tecnológicos, econômicos e políticos associados à Revolução Industrial e suas conseqüências, modernidade das condições sociais e experiências, que são vistas como os efeitos desses processos.
[4] O termo apareceu nos anos 60 e 70
[5] HABERMAS, Jurgen. “Modernidade versus pós-modernidade.In: Arte em Revista, n.7, ago., p.86. 1983.
[6] LEFEBVRE, Henri. Introdução a Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
[7] O neologismo modernité foi criado por Theophile Gautier em L’art moderne. O “substantivo modernidade, no sentido de caráter do que é moderno, aparece em Balzac, em 1823, antes de identificar-se verdadeiramente com Baudelaire, e [...] no sentido de gosto – a maioria das vezes julgado excessivo – do que é moderno, aparece em Huysmans, no ‘Salão de 1879’.” (COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da Modernidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996. p.17) Esse termo foi difundido por Beaudelaire nos seus textos de crítica de arte (Le peintre de la vie moderne, escrito em 1859-1860 e publicado em 1863 – Cf. BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres complètes. Paris: Gallimard, “Pléiade, 1975-1976. 2V.).Walter Benjamin continuou esta reflexão através das transformações das cidades, sobretudo Pairs. Tal noção conseguiu definir a consciência de um novo funcionamento social marcado por uma dimensão de mudança permanente e de inovação e conseqüentemente de desestruturação dos costumes e da cultura tradicional. Mais recentemente, Jean Beaudrillard definiu modernidade como sendo uma estrutura histórica e polêmica marcada por uma profunda transformação e por uma série de crises onde as práticas sociais e o modo de vida se articulam em torno da inquietação, da instabilidade, de mobilizações contínuas e de subjetividades movediças: tensão e crise tornando-se representação ideal.

[8]Segundo Charles Harrison, “sobre o significado de modernismo [...] a concordância é bem mais difícil de ser obtida. No uso comum, significa a propriedade ou a qualidade de ser moderno ou atualizado. Contudo, tende também a implicar um certo tipo de posição ou atitude que se caracterizaria por formas específicas de resposta tanto à modernização como à modernidade. Quando a palavra é aplicada à arte, há, portanto [...] problemas a encarar: [...] o ‘modernismo’ não costuma ser utilizado como um termo genérico para cobrir toda a arte do período moderno. Trata-se antes de uma forma de valor, em geral associada apenas a algumas obras e que serve para distingui-las de outras. Selecionar uma obra de arte como exemplo de modernismo é vê-la como pertencente a uma categoria especial no interior da cultura ocidental do período moderno. As obras que tendem a se enquadrar nessa categoria, porém, não são sempre facilmente vistas como relacionadas seja a processo de modernização seja à experiência da modernidade. De que maneira, por exemplo, entender o modernismo de um Matisse ou de um Rothko, se não como uma forma de rejeição ou de evasão da evidência física da modernidade?”

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do texto! Como um único termo pode ser tão amplo e complexo. E como essas questões assumem um aspecto tão instigante no Brasil.

guilhermina de almeida passos disse...

Gostei!

Quem sou eu

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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Graduado nos cursos de Filosofia e História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Filosofia da Arte e Estética pela mesma Universidade. Atualmente sou professor assistente b do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em História e Filosofia da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos filosóficos da educação, introdução ao pensamento científico e filosofia da ciência, cinema e artes visuais, aspectos formais da arte, criatividade, processo de criação, estética da formatividade de Luigi Pareyson, cultura e modernidade brasileira.