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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

esquecer e lembrar



A analogia entre arte bela e natureza bela

                                              A analogia entre arte bela e natureza bela

                                                                                      Texto Ronaldo Campos




De acordo com Luigi Pareyson, a arte tem por fim o sentimento de prazer, sendo, deste modo, uma finalidade prática que produz objetos belos que agradam por si. Essa finalidade consiste na realização de objetos predispostos a satisfazer a necessidade do livre jogo das faculdades cognoscitivas; e, uma vez que a predisposição para o livre jogo das faculdades cognoscitivas é final subjetivo, temos aqui uma verdadeira inclusão da finalidade subjetiva internamente a uma finalidade objetiva, isto é, o acordo com o livre jogo é o fim de um processo de realização. Aquilo que é evidente para a arte também pode ser aplicado na natureza. A finalidade subjetiva dos objetos naturais belos pode ser interpretada como objetiva no sentido de que a natureza si interpreta como aquela que é, de per si, finalisticamente ordenadas às nossas faculdades cognoscitivas . Deste modo, “as belas florações no reino da natureza organizada falam muito em prol do realismo da conformidade a fins estética da natureza, já que se poderia admitir que na causa produtora à base da produção do belo tenha jazido uma idéia dele, a saber um fim favorável a nossa faculdade de imaginação. As florações e até as figuras de plantas inteiras, a elegância das formações animais de todas as espécies, desnecessárias ao próprio uso mas por assim dizer escolhidas para o nosso gosto; principalmente, a multiplicidade das cores, tão complacente e atraente aos nossos olhos, e a sua composição harmônica (no faisão, em crustáceos, em insetos e até nas flores mais comuns), que, enquanto concernem simplesmente à superfície e também nesta nem sequer à figura das criaturas - a qual contudo ainda poderia ser requerida para os fins internos das mesmas - parecem visar inteiramente à contemplação externa: conferem um grande peso ao modo de explicação mediante a adoção de fins efetivos da natureza para faculdade de juízo estética” . Nesse sentido, podemos falar que a natureza apresenta uma analogia com a arte. Pois, diante de um produto da arte bela tem-se que tomar consciência de que ele é arte e não natureza. Todavia, a conformidade a fins na forma do mesmo tem que parecer tão livre de toda coerção de regras arbitrarias, como se ele fosse um produto da simples natureza. Sobre este sentimento de liberdade no jogo de nossas faculdades de conhecimento, que, pois, tem que ser ao mesmo tempo conforme afins, assenta aquele prazer que unicamente, é universalmente comunicável, sem contudo se fundar em conceitos. A natureza era bela se ela ao mesmo parecia ser arte; e a arte somente pode ser denominada bela se temos consciência de que ele é arte e de que apesar disso nos parece ser natureza Portanto, quer se trate de beleza natural ou beleza artística, belo é aquilo que apraz no simples ajuizamento, não na sensação e nem tampouco mediante um conceito.

Por outro lado, para algo ser considerado enquanto um fim natural é necessário, primeiramente, que as suas partes (segundo a sua existência e a sua forma, somente sejam possíveis mediante a sua relação com o todo. Com efeito, “a própria causa é um fim, por conseguinte apreendida sob um conceito ou uma idéia que tem que determinar a priori tudo o que nele deve estar contido. Mas na medida em que uma coisa somente é pensada como possível deste modo, é meramente uma obra de arte, isto é, o produto de uma causa racional distinta da matéria (das partes) daquela mesma obra, cuja causalidade (na constituição e ligação das partes) é determinada através da sua idéia de um todo tornado assim possível (por conseguinte não mediante a natureza fora de si)

Contudo, se uma coisa como produto natural deva conter em si mesma e na sua necessidade interna uma relação a fins, isto é, ser somente possível como fim natural e sem a causalidade dos conceitos de seres racionais fora dela, então para tanto deve exigir-se em segundo lugar, que as partes dessa mesma coisa se liguem a unidade ou um todo e que elas sejam reciprocamente causa e efeito de sua forma. Pois, só assim é possível que inversamente ( e reciprocamente) a idéia do todo, por sua vez, determine a forma e a ligação das partes: não como causa - pois que assim seria um produto da arte -, mas sim como fundamento de conhecimento da unidade sistemática da forma e ligação de todo o múltiplo que está contido na matéria dada, para aquele que ajuíza essa coisa” Portanto, em um produto da natureza, cada uma das suas partes só existe mediante as outras, é pensada em função das outras e por causa do todo, ou seja, como instrumento, órgão . Mas apenas isto não basta, pois, ela também poderia ser instrumento da arte e desse modo ser representado em geral somente como fim. Entretanto, quando um órgão produz as outras partes, - consequentemente, cada uma produzindo reciprocamente as outras -, não pode ser instrumento da arte, mas somente da natureza, a qual fornece toda a matéria aos instrumentos (mesmo aos da arte). Somente então e por isso poderemos chamar a um tal produto, enquanto ser organizado e organizando-se a si mesmo, um fim natural.

A beleza da natureza pode com razão ser designada como um analogon da arte, já que ela é atribuída aos objetos somente em relação sobre a intuição externa dos mesmos, consequentemente somente devido as formas superficiais. E a “organização, como fim interno da natureza excede infinitamente toda a faculdade de uma apresentação semelhante através da arte”

Uma vez que a natureza é bela quando possui a aparência de arte e a arte é bela quando tem aparência de natureza, então o produto da arte não deve se apresentar enquanto resultado de um fim, mas sim enquanto algo casual e contingente, “embora a finalidade no produto da arte bela na verdade seja intencional, ela contudo não tem que parecer intencional; isto é, a arte bela tem que passar por natureza, conquanto tenhamos consciência dela como arte. Um produto da arte, porém, aparece como natureza pelo fato de que na verdade foi encontrada toda a exatidão no acordo com regras segundo as quais, unicamente, o produto pode tornar-se aquilo que ela deva ser, mas sem esforço, sem que transpareça a forma acadêmica, isto é, sem mostrar um vestígio de que a regra tenha estado diante dos olhos do artista e tenha algemado as faculdades de seu ânimo” . Portanto, o que a arte bela tem em comum com a bela natureza é precisamente a impossibilidade de julgá-la com base no principio do realismo da finalidade, pois, ou o ignoramos ou dele nos abstraímos. A arte deve parecer um produto da natureza, o que implica em dizer que a bela arte deve derivas as suas regras basicamente da natureza do sujeito. E a faculdade pela qual a natureza do sujeito dá regra à arte e o Gênio; isto é, “Gênio é o talento (dom natural) que dá a regra à arte. Já que o próprio talento enquanto faculdade produtiva inata do artista pertence à natureza, também se poderia expressar assim Gênio é a inata disposição de ânimo pela qual a natureza dá a regra à arte” . Portanto, quando Kant nos diz que a natureza só é bela quando possui aparência de arte, então, ele concebe a arte enquanto pura e simples intencionalidade (finalidade prática e técnica); em suma, a arte é apreendida por Kant no seu significado geral de operação que procede segundo fins. Entretanto, ele não pensa em arte mecânica, sim na arte bela, naquele tipo de arte que possui aparência de natureza. Contudo, quando fala de arte com aparência de natureza, não se esta falando da natureza que produz organismos, mas na natureza bela (contingência da natureza bela). Arte e natureza se identificam na beleza, “conservando a única intencionalidade compatível com a contingência da natureza, se faz arte bela, e a natureza, conservando a única contingência compatível com a intencionalidade da arte se faz natureza bela: a intencionalidade da arte humana se tempera com a contingência natural, a contingência da natureza como organismos se funde com a intencionalidade da arte humana; o espírito se faz natureza, e a natureza espírito; o espírito toma o caráter da natureza, e a natureza toma o caráter do espírito. (...)Se a arte fosse somente intencional, não seria bela, mas seria somente arte mecânica; se a natureza fosse somente contingente, não seria bela, mas seria somente organismo. (...)A coincidência de contingência e intencionalidade é a espontaneidade, que é um proceder ao acaso que é conjuntamente procurar; inventar que emerge de um tentar, e tentar em vista de um inventar. Nesse sentido, o organismo se torna a obra de arte da natureza enquanto arte, e a obra é organismo produzido pela arte enquanto natureza” . Deste modo, os produtos da bela natureza e os da bela arte são, concomitantemente, intencionais e contingente, e desta maneira, são contempláveis. “Natureza e arte são ambas produtoras espontâneas de formas, organismos dotados de uma espontânea, isto é, contingente e ao mesmo tempo intencional, finalidade interna, e precisamente por isso, contempláveis . A produção enquanto produção de formas é figuração intencional e contingente, e o produto de tal figuração é por si mesmo contemplável” . Neste sentido, Pareyson nos pergunta acerca da natureza estética kantiana: A estética de Kant é uma estética da contemplação ou da produção?; A estética kantiana é uma filosofia do belo por natureza ou uma filosofia da arte?; Qual o lugar da arte no sistema crítico kantiano?

Diferentemente de Gadamer , Pareyson conclui que a estética kantiana, indubitavelmente, procura ser uma filosofia da contemplação estética, entretanto, ela acaba por se tornar uma estética da produção. “Na verdade, o tratamento da contemplação inevitavelmente conduz Kant a falar de expressão, a propósito do sublime, e de identidade, ou pelo menos da analogia entre natureza bela e arte bela. No fundo, a bem se ver, o próprio Kant tem consciência dessa profunda tendência da sua estética, da qual procedem as estéticas românticas da produção, quando afirmam a centralidade do conceito de arte. Na estética kantiana, o conceito central é o conceito de arte, contrariando a quanto possa parecer, com base na interpretação, segundo a qual a estética kantiana não pode senão justificar o belo por natureza” . Esta concepção pode ser justificada a partir de três pontos. Primeiramente, natureza e arte tão estão estreitamente ligadas na Terceira Crítica que não é possível separar juízo estético do juízo teleológico e juízo teleológico do juízo estético, como atesta a concepção de beleza aderente. Em segundo lugar, temos o fato de ser a arte o tema central da Crítica do Juízo, visto que, a filosofia possui apenas duas ( metafísica dos costumes e metafísica da natureza), enquanto que a crítica tem três, pois, às duas primeiras é necessário que se acrescente uma terceira, com o objetivo de buscar no sujeito o ponto de encontro dos dois mundos, “ver-se-á que o novo modo de considerar os dois mundos, isto é, uma novo modo de considerar a natureza, tal que a ponha em acordo com a razão, é a arte, porque a natureza é manifestação do supra-sensível das faculdades do sujeito, no qual, a natureza em nós está unida com a razão, e consequentemente, também a natureza fora de nós, é o gênio, que é verdadeiramente o superador do conhecimento e da moralidade, em uma esfera na qual estas duas mesmas atividades são unificadas . Em terceiro lugar, na própria tabela que Kant propõe à Terceira Crítica, e na qual o sistema das três críticas é reassumido, com referência do sistema das duas partes da filosofia (Natureza e Liberdade), explicitamente, a arte é posta entre os dois. “Toda a Crítica do Juízo vem posta sob a única e comum insígnia da arte” , o que verdadeiramente vem confirmar a grande importância que assume na doutrina kantiana a concepção de beleza aderente, como aquela que une - na natureza compreendida enquanto arte e na arte enquanto natureza - as duas partes da crítica do juízo - o juízo estético e o juízo teleológico - reunidas sob o conceito de arte.




Notas

PAREYSON, 1968, p.157


kANT, 1993, §58, P.192

KANT, 1993, § 45, p. 152

KANT, 1993, §65, p.215-6

Com respeito a esta questão, Lukács observa que com relação à conformidade a lei contingente, daquilo que é finalístico (o organismo), Kant não pensa absolutamente em eliminar a necessidade causal e a conformidade à lei, e sim conservá-la no seio da objetividade (possível, no seu sistema) da causalidade concebida à maneira mecânica. A exigência de uma conformidade a leis dos organismos tem mais peso na medida em que Kant tem a exata sensação de que qualquer modo fenomênico concreto e específico da vida, considerado do ponto de vista da pura e simples conformidade às leis mecânicas, deve ter um insuprimível caráter contingente: que a natureza, considerada como um mero mecanismo, teria podido configurar-se de mil outras maneiras A persistência de tal exigência ocorre porque a concepção kantiana metafísica e a-historica do mundo torna impossível uma justa compreensão do finalismo na vida orgânica. Kant define o finalismo do seguinte modo: uma coisa existe como fim da natureza quando é causa e existe como fim da natureza quando é causa e efeito de si mesmo (embora em duplo sentido) Daí resultaria, por um lado, que ela se produz a si mesma tanto como gênero quanto como indivíduo; e, por outro , que deve existir entre as partes uma conexão tal ‘que a conservação da parte e a conservação do todo dependam uma da outra’; que “as partes (relativamente a existência e a forma delas) só sejam possíveis através de sua relação com o todo”. Segundo Lukács, ao invés de Kant descobrir aqui uma nova forma superior dos nexos conformes a leis, ao invés de desenvolver dialeticamente daquilo que é mecânico a “força formativa” ( por ele contraposta à “força unicamente motriz” da mecânica), ainda uma vez mais o pensamento kantiano se prende a uma contraposição rígida, tão metafísica quando agnóstica, como vemos aqui: “Falando rigorosamente, a organização da natureza não tem, pois, analogia alguma com qualquer causalidade que conhecemos”. O “juízo estético é uma particular faculdade de julgar as coisas segundo uma regra mas não segundo conceitos”. “Assim , em Kant, a estética se torna não só subjetivista como também formalista: o afastamento do conceito importa na dissolução do conteúdo. (...) Em suma: a estética se transforma dessa maneira em um ‘parque reservado da natureza’, cuidadosamente isolado da esfera modo de consideração teleológico, não possui nenhuma ‘faculdade particular, mas é simplesmente o juízo reflexivo em geral’. É um conhecimento por conceitos, porém tal que não pode haver nenhum poder ‘objetivamente determinante’. Deste modo, a objetividade científica para a biologia é simultaneamente requerida e negada”(LUKÁCS, 1968, p.19-22)

KANT, 1993, §65, p.216

KANT, 1993, §68, p.226

KANT, 1993, §45, p.152

KANT, 1993, §46, p.153

PAREYSON, 1666, p.187-8

Pareyson estrutura a sua teoria da formatividade a partir da noção de forma, tomada de forma original da teoria de Kant. Forma é compreendida enquanto organismo, que goza de vida própria e que possui a sua própria legalidade interna, isto é, totalidade irrepetível em sua singularidade, independente em sua autonomia, exemplar em seu valor, fechada e aberta ao mesmo tempo, finita e ao mesmo tempo encerando um infinito, perfeita na harmonia e unidade de sua lei de coerência, inteira na adequação reciproca entre as partes e o todo. Além disto, esta noção é apreendida por Pareyson em seu caráter dinâmico, ou seja, enquanto resultante de um processo de formação, pois, a forma não pode ser vista como tal se vê no ato de concluir e ao mesmo tempo incluir o movimento de produção que lhe dá nascimento e aí encontro o próprio processo.

“A beleza da natureza é a beleza de formas e, por conseguinte, evidente a um olhar que saiba ver a forma como forma, depois de a ter procurado, indagado, perscrutado, interpretado para, enfim, contemplá-la e desfrutá-la. A visão e a apreciação do belo natural pressupõem portanto esforço de interpretação, exercício de fidelidade, disciplina de atenção, concentração de olhar, educação do modo de ver, para poder um dia chegar aquela visão profunda e capaz de realmente ver o que é, por um lado, visão de formas e, por outro, produção de formas. Pois, forma interpretada e imagem formada devem coincidir na adequação da própria contemplação”. Deste modo, a contemplação do belo natural é ao mesmo tempo visão de formas e produção de formas. (PAREYSON, 1993, p. 204)

Do mesmo modo, a obra de arte enquanto tal é essencialmente objeto de consideração dinâmica: “ela revela a sua perfeição somente a quem sabe considerá-la como a conclusão de um processo, a quem sabe considerá-la como a conclusão de um processo, a quem sabe captar e delinear seu processo criativo, a quem sabe captar e delinear seu desenho criativo, a quem sabe resgatá-la da sua aparente imobilidade para colhê-las no movimento de onde nasceu; e, de fato, na contemplação o olho não é imóvel, mas percorre lado a lado, circula através da lei de coerência que mantém unida numa estrutura perfeita e numa totalidade indivisível, colhe a obra no ato de chegar a ser como ela própria queria ser, de adequar-se consigo, e de aprovar-se tal como resultou”(PAREYSON, 1983, p. ).

PAREYSON, 1964, p.188

Para Gadamer, a crítica do gosto é uma preparação para teleologia. A Faculdade de Julgar representa a ponte entre o entendimento e a razão. Entretanto, o conceito de gênio não é totalmente desprezado por Kant. Basta olharmos para o modo como o filósofo descreve o gênio: “Gênio é talento ( dom natural) que dá à arte a regra. Já que o talento, como faculdade produtiva inata do artista, pertence, ele mesmo, à natureza, poderíamos também exprimir-nos assim. Gênio é a disposição natural inata pela qual a natureza dá à arte a regra. Desde modo, o máximo que Kant consegue é nivelar esteticamente os produtos das belas artes com a beleza natural. Tanto o belo na natureza quanto nas artes possui um único princípio a priori, e este se encontra inteiramente na subjetividade. A reflexão transcendental de Kant sobre um a priori, da Terceira Crítica, justifica a pretensão do juízo estético, porém não admite uma estética filosófica.



PAREYSON, 1968, p.189.

”PAREYSON, 1968, p. 190

cf. KANT, 1993, tabela p.42

PAREYSON,1968, p.190







BIBLIOGRAFIA







GADAMER, Hans-Georg. Verdad y Metodo; Fundamentos de uma hermeneutica filosofica. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1977.

LUKÁCS, George. “A questão Lógica do Particular em Kant e Schellin”. In: Introdução a uma Estética Marxista. - Sobre a Categoria da Particularidade; tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. - Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1968.

KANT, Imanuel. A Crítica do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993

PAREYSON, Luigi. L’Estetica di Kant. Milano: Mursia, 1968.

_______________. Problemas de Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

_______________. Estética; Teoria da Formatividade; tradução de Ephraim Ferreira Alves. - Petropolis: Vozes, 1993




Sobre o conceito de gosto





Curioso, como insistem em trabalhar o conceito de gosto apenas no sentido (quase) culinário. São inúmeros os exemplos de artigos, onde, o crítico apenas afirma as sua preferências. A análise fundamentada é algo raro de se encontrar nos dias de hoje.


De acordo com Gadamer, a longa história do conceito de gosto - que precede a sua utilização por Kant como fundamento da Crítica da Faculdade do Juízo - permite reconhecer que originalmente o conceito de gosto é mais moral do que estético.  Tal conceito descreve um ideal de humanidade autentica, e deve a sua cunhagem aos esforços por se separar criticamente do dogmatismo da escolástica.  Somente bem mais tarde, o uso deste conceito se restringirá as “belas artes”.  A sua origem se remonta a Baltasar Gracián que considera que o gosto sensorial contem já o germe da distinção que se realiza no julgamento espiritual das coisas.  O discernimento sensível que para o gosto não é senão que já se encontra a meio caminho entre o instinto sensorial e a liberdade espiritual.  O gosto sensorial se caracteriza precisamente porque com sua eleição o juízo logra por si mesmos distanciar-se com respeito as coisas que formam parte das necessidades mais urgentes da vida.  Desta forma, o gosto pode ser considerado como uma primeira espiritualização da animalidade e ponto de partida da formação social; representando não somente o ideal que delineia uma nova sociedade, mas também sob o signo deste ideal (do bom gosto) se estabelece pela primeira vez o que então receberá o nome de boa sociedade.  Esta se reconhece pelo fato de que acerta ao fundar-se por cima da estupidez dos interesses e da privacidade das preferências, estabelecendo a pretensão de julgar.  Portanto não há dúvidas de que com o conceito de gosto esta dado uma certa referência a um modo de conhecer.  Entretanto, Terceira Crítica representa a ruptura com tal tradição e também a introdução de um novo desenvolvimento na história do gosto, pois, o restringir o conceito de gosto ao âmbito, no qual, pode afirmar uma validade autônoma e independente na qualidade de princípio próprio da faculdade do juízo.  A intenção transcendental (que guiou Kant) encontrou sua satisfação no fenômeno restrito do juízo sobre o gosto ( e sobre o sublime), e desprezou o conceito mais geral da experiência do gosto, assim como a atividade da faculdade de juízo estética no âmbito do direito e do costume.  Isto reveste se de uma importância que não convém subestimar, uma vez que aquilo que foi desprezado é justamente o elemento no qual viviam os estudos filológicos-históricos e do que unicamente houvera podido ganhar sua auto-compreensão plena quando fundamentaram metodologicamente sob o nome de ciências do espirito junto às ciências naturais.  Agora, em virtude do planejamento transcendental de Kant, fechou-se o caminho que houvera permitido reconhecer a tradição, cujo, cultivo e estudo ocupavam-se tais ciências na pretensão específica de verdade.  O que Kant legitimava e queria legitimar por sua vez com a Terceira Crítica era a generalidade subjetiva do gosto estético, no qual, já não há conhecimento do objeto, e, no âmbito das belas artes, a superioridade do gênio sobre qualquer estética regulativa.(cf. Gadamer, Verdad y Metodo, p.66-74)

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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Graduado nos cursos de Filosofia e História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Filosofia da Arte e Estética pela mesma Universidade. Atualmente sou professor assistente b do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em História e Filosofia da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos filosóficos da educação, introdução ao pensamento científico e filosofia da ciência, cinema e artes visuais, aspectos formais da arte, criatividade, processo de criação, estética da formatividade de Luigi Pareyson, cultura e modernidade brasileira.