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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Stanley Kubrick: educação e violência






As imagens acima são de um garoto bomba palestino sendo capturado pelas tropas israelenses. Na sequência de fotos podemos ver a desumanização do Homem pela banalização da violência. Não tenho muita certeza com relação a data desse evento, lembro da grande polêmica causada por essas imagens. Eu recebi num e-mail e quando as vi pela primeira vez fiquei extremamente chocado. Mas, o tempo foi passando, outras barbaridades ocorreram e a história desse garoto se perdeu. Foi esquecida como tantas outras histórias. Também devemos lembrar que tais fatos chocantes são tantos que é muito difícil mantê-los vivos na nossa memória.

Mas estas e outras imagens podem nos levar a seguinte questâo: qual o motivo que leva um indivíduo a ser "educado " para morrer por uma causa... Estranho também é pensar naquelas pessoas que são educadas para matar. O que leva um indivíduo as ser programado (educado) para ver a violência como algo natural. 

Talvez um caminho para tentar responder essa questão pode ser encontrado em uma outra sequência de imagens (só que agora "imagens em movimento", ou seja, cinema).

O olhar agudo de  um diretor como S. Kubrick pode se abrir a múltiplas interpretações. Laranja Mecânica, Nascido para matar e tantos outros abordam a banalização da violência na nossa sociedade.

O ser humano só existe vivendo em sociedade. E para viver nesse mundo social é preciso ser educado. E não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. A educação é socialmente determinada ou seja, é determinada por fins e exigências sociais, políticas e ideológicas. É uma atividade humana necessária à toda existência e funcionamento de todas as sociedades. Em suma, é um  processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar em sociedade e a transformá-la em função de necessidades sócio-culturais e econômicas da coletividade. Através da ação educativa o meio social exerce influências sobre os indivíduos. Estes ao assimilarem e recriarem essas influências tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio social. Em sentido estrito, a educação ocorre em instituições especificas, escolares ou não, com finalidades explicitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e planificada embora sem separar-se daqueles processos formativos gerais.

Por exemplo, no filme de Stanley Kubrick, Full Metal Jacket, podemos perceber claramente a prática educativa na formação de um indíviduo das forças armadas norte-americanas. Para enfatizar essa questão podemos analisar apenas a primeira parte do filme que mostra o processo de formação - preparação - educação dos jovens americanos que se preparam para o desembarque no conflito vietinamita.

Inicialmente, podemos perceber que , em Nascido para matar (título brasileiro para Full Metal Jacket), Stanley Kubrick nos apresenta um estudo detalhado do processo educativo que visa a  supressão da identidade individual para  substituí-la por um código moral e ideológico adequado aos interesses de conquista de uma nação supostamente democrática. Ele divide sua narrativa basicamente em dois momentos: o treinamento e o combate. Aqui vou me ater apenas ao primeiro momento.

Nas primeiras imagens, os personagens são apresentados durante o primeiro ato de uniformização do indivíduo - cada persona  é focalizada, em plano médio, ao ter os seus cabelos raspados. O corte de cabelo, antes de ser uma distinção e referência social de cada indivíduo, é substituido pela ausência de qualquer elemento de caracterização individual. A seguir todos encontram-se reunidos num grande domitório, devidamente unifomizados, para ouvir as primeiras instruções. O instrutor dita as novas regras de convívio social e explicita o propósito do treinamento: destituir os recrutas de seu código social e de sua individualidade para torná-los máquinas de matar, prontos a servir à pátria, a qualquer momento e sem questionar.

No treinamento, Kubrick privilegia o plano geral, focaliza os personagens confinados em grandes espaços, exemplo disto é o dormitório, onde o diretor cuida em acentuar a profundidade do ambiente, deixando os personagens sem um ponto de referência onde possam encontrar opoio. Ao focalizar os recrutas individualmente Kubrick coloca a câmara bem perto de serus rostos, aumentando a impressão de sufocamento. O coletivo, aos poucos, se apropria das partes e pune severamente aqueles que encontram dificuldades em se adaptar a ordem imposta e qualquer transgressão é intolerância. A punição, inicialmente, se dirige diretamente à parte em desarmonia e, num segundo momento, o coletivo sofre pela falta cometida por aquela parte e, toma para si a função de reprimi-la até adequá-la às novas regras.

O ponto alto de qualquer processo eduativo sem sobra de dúvida é a formatura. No ritual de formatura dos soldados é consagrada uma nova identidade respaldada no coletivo e capaz de garantir uma espécie de imortalidade que passa por atos heróicos que serão preservados pela memória da instituição. O movimento de câmara segue os formandos, ora alternando para a nova corporação ora para a multidão de convidados que euforicamente saudam as tropas armadas. Contudo, após o ritual da formatura, o sinal de transgressão aparentemente contido e eliminado (por todo o processo educativo, de socialização do exército), retorna transformado (transtornado) em uma criatura ideal que utiliza-se de sua nova condição para rebelar-se contra o criador.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

!

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O Todo

O Todo

Ronaldo Campos


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Como Aristóteles concebe o todo? Na Poética, o Estagirita define o todo como “aquilo que tem princípio, meio e fim”, isto é, o todo é composto de partes; entretanto, “o belo ser-vivente ou o que quer que seja que se componha de partes, não só deve ter essas partes ordenadas, mas também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo consiste na grandeza e na ordem, e portanto, um organismo vivente, pequeníssimo, não poderia ser belo (pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível); e também não seria belo, grandíssimo (porque faltaria a visão de conjunto”). Observa-se, pois, que a noção de todo proposta por Aristóteles possui uma clara analogia com conceitos da natureza, com a vida, isto é, com a noção de organismo.

Ao definir a vida, o Estagirita tem por ponto de partida realidades muito simples, das quais, obtém uma constatação inicial, que a primeira vista, pode nos parecer paradoxal, a saber: os seres vivos são compostos pelos mesmos elementos que os objetos inanimados. Sobre este ponto, escreve Pierre Louis, “Aristóteles nada mais fez do que retomar as teorias dos seus antecessores. Os gregos concebiam a natureza como um ser único que abarca a totalidade dos seres particulares. Os primeiros físicos postularam a continuidade da vida e da matéria. Representavam a existência de todos os corpos, vivos ou não, como expressão de uma vida imanente. A oposição que para nós é banal, entre matéria inerte e seres vivos, não existia para eles em nenhum grau. Eles não viam distinção de estrutura nem de natureza entre minerais, vegetais e animais. Pensavam que tanto uns quanto outros eram feitos da mesma matéria”(Louis, p.186).

Certamente, uma da fontes principais de Aristóteles foi a obra de Empedocles. O filosofo de Agrigento foi o primeiro pensador que buscou resolver a aporia eleata, “tentando salvar, de um lado, o princípio de que nada nasce, nada perece e o ser sempre permanece e, de outro, os fenômenos atestados pela experiência.[...] Nascimento e morte são [...], respectivamente, mistura e dissolução de determinadas substâncias ingênitas e indestrutíveis, substâncias que permanecem eternamente iguais”  “as raízes do mundo”(Reale, 1993, p.133-134). Seguindo o mesmo raciocínio, observa-se que no tratado De la Génération et de la Corruption, Aristóteles descreve, de acordo com Pierre Louis, que as combinações possíveis entre os quatro elementos ( o quente, o frio, o seco e o úmido) limitam-se teoricamente a poucos tipos, pois, os contrários não podem combinar entre si; ou seja, é impossível que o quente e o frio ou o seco e o úmido se associarem num mesmo objeto.(Louis, p.186) Tais composições, como por exemplo, o fogo que resulta da união entre o quente e o seco; ou o ar, união do quente e do úmido; ou a terra, o frio e o seco; ou ainda a água, o frio e o úmido  não resultam simplesmente de uma justaposição de elementos. “A combinação que eles produzem não consiste de um simples amontoado de partículas elementares, mas sempre é seguida de uma modificação qualitativa. Desta modificação, nasce uma nova forma, na qual cada um dos elementos traz uma contribuição, e que apresenta uma coerência real, mesmo se ela é variável”(Louis, 187).

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma noite em 67 - O festival que mudou tudo


A edição 156 da revista "Bravo!" nos brindou esse mês com uma bela capa que representa de forma genial e emblemática o documetário "Uma noite em 67". Temos aqui representado o confronto das idéias revolucionárias do tropicalismo de Caetano com a mais sofisticada das músicas-das poesias brasileiras de Chico Buarque.  Estes conflito parece mediado pelo olhar pacificador-conciliador de Gilberto Gil.
Se (de acordo com o filme e nas palavras do autor do artigo da revista Bravo!) "existem momentos em que tudo muda, mas muda mesmo", essa foto representaria a mudança mais radical na história da nossa música popular. Eu não acredito que o projeto (que inclui Elis, Edu Lobo, Tom e Vinicius, etc) onde o Chico se incluiria foi suplantado pela radical transformação da dupla Caetano e Gil. Basta olhar a obra desse três compositores-cantores e perceberemos que há uma complexa trama que enlaça todos os aspectos presentes na nossa cultura.
Eu também não concordo que esse festival tenha sido responsável por mudar tudo. Pois, se assim pensasse seria obrigado a ver a História não como um processo mas num jogo mecânico de fato-causa-consequência. A mudança que podemos perceber  no III Festival da Record foi iniciada muito antes. E o resultado dessa noite não pode ser visto como uma simples separação dicotômica puristas e modernos, ou melhor, entre aquela música que não aceita a guitarra elétrica e a nova música pop (eletrificada) brasileira.
Também acho que o jornalista da Bravo! exagerou ou identificar o III Festival da Record com uma versão anos 60 do Big Brother. É exagerado dizer que esse fã identificado muito mais com o artista do que com a música faz parte do universo dos festivais. Esse fã (que comprava a revista Intervalo) era muito mais da Jovem Guarda do que da Era dos Festivais. Se houvesse tal idolatria direcionada por um (pré) Big Brother o Caetano Veloso não teria sido massacrado num festival posterior ao tentar cantar "É proibido proibir". E se tal fã de fato existisse a linda canção de Tom Jobim e Chico Buarque, Sabiá, não teria recebido uma vaia tão grande ao vencer um festival.


Contatos: Ronaldo Campos campos.ronaldo5@gmail.com

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Uma noite em 67

Contatos: Ronaldo Campos campos.ronaldo5@gmail.com






A mídia considerou como sendo uma das estréias mais aguardadas deste ano, o documentário "Uma noite em 67" - produção brasileira do ano de 2010 com direção de Renato Terra e Ricardo Calil.

Os diretores buscaram apresentar a final do III Festival da Música Popular Brasileira (TV Record), em 21 de outubro de 1967. Há  uma ênfase nas cinco canções premidadas: Ponteio (Edu Lobo e Capinan), Domingo no parque (Gilberto Gil), Roda Viva (Chico Buarque), Alegria Alegria (Caetano Veloso), Maria, carnaval e cinzas (Luis Carlos Paraná). Também é destacada a apresentação tumultuada de Sérgio Ricardo com "Beto bom de bola". Contudo, os diretores propositalmente não falam de outras músicas presentes nessa grande final (e que hoje são verdadeiros clássicos da MPB), como por exemplo, O cantador (de Dori Caymmi e Nelson Motta, interpretada por Elis Regina) e A estrada e o violeiro (de Sérgio Miler, com o autor e Nara Leão). Sendo que a primeira foi premiada com melhor interprete para Elis Regina. A segunda ganhou o prêmio de melhor letra.

De início, temos que ter a clareza de que os dois cineastas desse filme não podem ser comparados com o Eduardo Coutinho de "Cabra Marcado para Morrer". O filme  "Uma noite em 67" é linear, é quase a exibição do programa original entrecortada por depoimentos atuais.

A impressão que temos é a de que os diretores ficaram maravilhados com o material da TV Record e resolveram que o propósito do filme era possibilitar aos expectadores (re)descobrir esse tesouro esquecido pela história. Esse esquecimento certamente não pode ser considerado proposital. Uma vez que a rede Record cedia sempre as mesmas sequências de imagens. Mas, agora com a Record na co-produção, eles poderiam utilizar todo o material disponível. Assim, optaram por uma estrutura muito simples: exibição da apresentação da música ou das entrevistas realizadas na noite do festival que era seguidas por comentários dos protagonistas daquela época. É curioso perceber que um festival (que os estudiosos consideram um divisor de águas da nossa música) não tem para os atores desse momento histórico o mesmo peso. O Gil diz que foi uma época "agônica". O Caetano gostaria de se distanciar mais da música "Alegria Alegria" e das propostas tropicalistas, ao mesmo tempo, que percebemos o quanto ele está apegado aquelas ideias. Um dos realizadores do festival nos diz que o III Festival era um simples programa de TV. E se ele adquiriu uma grande importância histórico-sociológica, naquela época ninguém tinha tamanha pretensão.

Se a estrutura do filme é bem simplista, as ideias apresentadas pelo filme, são extremamente complexas. Podemos perceber que esse festival representou uma ruptura com a ordem estabelecida, ao mesmo tempo que é dado o passo inicial para se organizar o que hoje chamamos de MPB.

O III Festival da Canção foi uma festa realizadas por (e para) garotos de vinte e poucos anos. Eles não queriam agir como uma plateia tradicional: calada e receptiva, como se fosse uma massa de modelar, seria transformada-transportada pela música do artista para o mundo pensado-construido pelo artista. Essa platéia de jovens (calada pela ditadura) tinha o desejo de se expressar e interferir nos rumos do festival. Se nos festivais anteriores a plateia já era importante, no III festival da Record, a plateia se torna um elemento importante e decisivo para todo o processo.

Eu vejo que o Sérgio Ricardo não estava preparado para essa plateia que era ao mesmo tempo (junto com a música e o artista) uma forma formada e uma forma formante. A vaia poderia se transformar numa aclamação absoluta como foi no caso do Caetano com sua Alegria Alegria. Ou pode se transformar na negação da música Beto Bom de Bola.

O confronto entre o artista-interprete (dono da forma e do modo de formar) com a plateia (que tem poder de voz (vaia) e de voto (veto) ) não gerou a afirmação da própria música. Produziu, pelo contrário, a negação da música. O artista (impossibilitado de executar e dar vida a sua canção) destruiu o seu instrumento musical e o atirou para o público. Destruir a "viola" é destruir a música (que por sua vez foi destruida pelas vaias do público). Jogar para a plateia o que sobrou da "viola" é jogar o que sobrou da música que não foi de fato executada. Ao receber os restos da viola, o público toma posse do que negou. E será pela negação de uma antiga forma musical que novas estruturas serão originadas.

Paradoxalmente, a vitória de Ponteio (representante da faceta mais tradicional da MPB) não conseguiu impedir a transformação radical da nossa música. Para entender esse processo é importante voltarmos mais uma vez  para a cena do Sérgio Ricardo quebrando o violão e jogando-o para a plateia. Metaforicamente, há aqui uma ligação quase literal  e direta com a letra vitoriosa de Capinan que nos diz que "Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar". Tenho a impressão que o Edu podeia estar no lugar de um Sérgio que chora pela viola atirada ao público em pedaços e pela impossibilidade de cantar novamente como antes. Por isto me parece quase proposital a apresentação do Edu Lobo e a Marília Medalha  logo após o Sérgio Ricardo.

Podemos perceber também uma certa nostalgia dos compositores tradicionais diante do processo de mudança. Tal sentimento de "falta" ou "carência" também pode ser percebido na fala do Chico Buarque que nos diz ter sentido só  com a eclosão do movimento tropicalista. A mídia o classificava como velho diante da novidade proposta por Gil e Caetano. Desejar "a viola pra cantar" significa também retornar a época em que "O fino da bossa" era o melhor, o mais novo e o mais sofisticado em se trantando de MPB. Buscar "a viola pra cantar" também significa impedir as notas dissonantes da guitarra elétrica (que poderia calar a voz da nossa música) e se concentrar nas formas genuinamente brasileiras. Elis, Chico, MPB4, Jair Rodrigues, entre outros lideraram uma passeata contra a introdução desse instrumento na nossa música popular.


Contudo, esse foi o festival da fusão e da (re)construção de uma música com elementos mais universalizantes. È bom lembrar que o que se chama de "universal" aqui são os elementos produzidos pela cultura inglesa e norte-americana. E mesmo quebrando a viola, não há como impedir o processo de atualização da inteligência brasileira. Com o tropicalismo abandona-se o modelo nacionalista e busca-se a internacionalização da nossa música. Esse processo de modernização foi iniciado com a Bossa Nova (e a influência do Jazz). Destruir o velho (e com os elementos tradicionais somados as novas formas) re-cofigurar o novo. Que em pouco tempo também será velho.

O novo é contingente. Se é novo ou velho sempre em relação a algo. Não existe novo em si mesmo. Dessa maneira, ao rever as músicas desse festival percebemos que a canção do Caetano soa datada e ultrapassada. Enquanto que a música do Gil, do Edu e do Chico ainda se conservam o frescor e a atualidade.

Quem sou eu

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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Graduado nos cursos de Filosofia e História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Filosofia da Arte e Estética pela mesma Universidade. Atualmente sou professor assistente b do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em História e Filosofia da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos filosóficos da educação, introdução ao pensamento científico e filosofia da ciência, cinema e artes visuais, aspectos formais da arte, criatividade, processo de criação, estética da formatividade de Luigi Pareyson, cultura e modernidade brasileira.