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terça-feira, 3 de agosto de 2010

Uma noite em 67

Contatos: Ronaldo Campos campos.ronaldo5@gmail.com






A mídia considerou como sendo uma das estréias mais aguardadas deste ano, o documentário "Uma noite em 67" - produção brasileira do ano de 2010 com direção de Renato Terra e Ricardo Calil.

Os diretores buscaram apresentar a final do III Festival da Música Popular Brasileira (TV Record), em 21 de outubro de 1967. Há  uma ênfase nas cinco canções premidadas: Ponteio (Edu Lobo e Capinan), Domingo no parque (Gilberto Gil), Roda Viva (Chico Buarque), Alegria Alegria (Caetano Veloso), Maria, carnaval e cinzas (Luis Carlos Paraná). Também é destacada a apresentação tumultuada de Sérgio Ricardo com "Beto bom de bola". Contudo, os diretores propositalmente não falam de outras músicas presentes nessa grande final (e que hoje são verdadeiros clássicos da MPB), como por exemplo, O cantador (de Dori Caymmi e Nelson Motta, interpretada por Elis Regina) e A estrada e o violeiro (de Sérgio Miler, com o autor e Nara Leão). Sendo que a primeira foi premiada com melhor interprete para Elis Regina. A segunda ganhou o prêmio de melhor letra.

De início, temos que ter a clareza de que os dois cineastas desse filme não podem ser comparados com o Eduardo Coutinho de "Cabra Marcado para Morrer". O filme  "Uma noite em 67" é linear, é quase a exibição do programa original entrecortada por depoimentos atuais.

A impressão que temos é a de que os diretores ficaram maravilhados com o material da TV Record e resolveram que o propósito do filme era possibilitar aos expectadores (re)descobrir esse tesouro esquecido pela história. Esse esquecimento certamente não pode ser considerado proposital. Uma vez que a rede Record cedia sempre as mesmas sequências de imagens. Mas, agora com a Record na co-produção, eles poderiam utilizar todo o material disponível. Assim, optaram por uma estrutura muito simples: exibição da apresentação da música ou das entrevistas realizadas na noite do festival que era seguidas por comentários dos protagonistas daquela época. É curioso perceber que um festival (que os estudiosos consideram um divisor de águas da nossa música) não tem para os atores desse momento histórico o mesmo peso. O Gil diz que foi uma época "agônica". O Caetano gostaria de se distanciar mais da música "Alegria Alegria" e das propostas tropicalistas, ao mesmo tempo, que percebemos o quanto ele está apegado aquelas ideias. Um dos realizadores do festival nos diz que o III Festival era um simples programa de TV. E se ele adquiriu uma grande importância histórico-sociológica, naquela época ninguém tinha tamanha pretensão.

Se a estrutura do filme é bem simplista, as ideias apresentadas pelo filme, são extremamente complexas. Podemos perceber que esse festival representou uma ruptura com a ordem estabelecida, ao mesmo tempo que é dado o passo inicial para se organizar o que hoje chamamos de MPB.

O III Festival da Canção foi uma festa realizadas por (e para) garotos de vinte e poucos anos. Eles não queriam agir como uma plateia tradicional: calada e receptiva, como se fosse uma massa de modelar, seria transformada-transportada pela música do artista para o mundo pensado-construido pelo artista. Essa platéia de jovens (calada pela ditadura) tinha o desejo de se expressar e interferir nos rumos do festival. Se nos festivais anteriores a plateia já era importante, no III festival da Record, a plateia se torna um elemento importante e decisivo para todo o processo.

Eu vejo que o Sérgio Ricardo não estava preparado para essa plateia que era ao mesmo tempo (junto com a música e o artista) uma forma formada e uma forma formante. A vaia poderia se transformar numa aclamação absoluta como foi no caso do Caetano com sua Alegria Alegria. Ou pode se transformar na negação da música Beto Bom de Bola.

O confronto entre o artista-interprete (dono da forma e do modo de formar) com a plateia (que tem poder de voz (vaia) e de voto (veto) ) não gerou a afirmação da própria música. Produziu, pelo contrário, a negação da música. O artista (impossibilitado de executar e dar vida a sua canção) destruiu o seu instrumento musical e o atirou para o público. Destruir a "viola" é destruir a música (que por sua vez foi destruida pelas vaias do público). Jogar para a plateia o que sobrou da "viola" é jogar o que sobrou da música que não foi de fato executada. Ao receber os restos da viola, o público toma posse do que negou. E será pela negação de uma antiga forma musical que novas estruturas serão originadas.

Paradoxalmente, a vitória de Ponteio (representante da faceta mais tradicional da MPB) não conseguiu impedir a transformação radical da nossa música. Para entender esse processo é importante voltarmos mais uma vez  para a cena do Sérgio Ricardo quebrando o violão e jogando-o para a plateia. Metaforicamente, há aqui uma ligação quase literal  e direta com a letra vitoriosa de Capinan que nos diz que "Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar". Tenho a impressão que o Edu podeia estar no lugar de um Sérgio que chora pela viola atirada ao público em pedaços e pela impossibilidade de cantar novamente como antes. Por isto me parece quase proposital a apresentação do Edu Lobo e a Marília Medalha  logo após o Sérgio Ricardo.

Podemos perceber também uma certa nostalgia dos compositores tradicionais diante do processo de mudança. Tal sentimento de "falta" ou "carência" também pode ser percebido na fala do Chico Buarque que nos diz ter sentido só  com a eclosão do movimento tropicalista. A mídia o classificava como velho diante da novidade proposta por Gil e Caetano. Desejar "a viola pra cantar" significa também retornar a época em que "O fino da bossa" era o melhor, o mais novo e o mais sofisticado em se trantando de MPB. Buscar "a viola pra cantar" também significa impedir as notas dissonantes da guitarra elétrica (que poderia calar a voz da nossa música) e se concentrar nas formas genuinamente brasileiras. Elis, Chico, MPB4, Jair Rodrigues, entre outros lideraram uma passeata contra a introdução desse instrumento na nossa música popular.


Contudo, esse foi o festival da fusão e da (re)construção de uma música com elementos mais universalizantes. È bom lembrar que o que se chama de "universal" aqui são os elementos produzidos pela cultura inglesa e norte-americana. E mesmo quebrando a viola, não há como impedir o processo de atualização da inteligência brasileira. Com o tropicalismo abandona-se o modelo nacionalista e busca-se a internacionalização da nossa música. Esse processo de modernização foi iniciado com a Bossa Nova (e a influência do Jazz). Destruir o velho (e com os elementos tradicionais somados as novas formas) re-cofigurar o novo. Que em pouco tempo também será velho.

O novo é contingente. Se é novo ou velho sempre em relação a algo. Não existe novo em si mesmo. Dessa maneira, ao rever as músicas desse festival percebemos que a canção do Caetano soa datada e ultrapassada. Enquanto que a música do Gil, do Edu e do Chico ainda se conservam o frescor e a atualidade.

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Quem sou eu

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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Graduado nos cursos de Filosofia e História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Filosofia da Arte e Estética pela mesma Universidade. Atualmente sou professor assistente b do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em História e Filosofia da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos filosóficos da educação, introdução ao pensamento científico e filosofia da ciência, cinema e artes visuais, aspectos formais da arte, criatividade, processo de criação, estética da formatividade de Luigi Pareyson, cultura e modernidade brasileira.