Arte em alerta: incêndio que destruiu obras de Oiticica reacende debate sobre a manutenção de acervo por parte de famílias ou instituições
(texto de Ronaldo Campos)
O caderno Ilustrada (do jornal Folha de S. Paulo) apresentou um panorama da situacao dos acervos particulares referentes a arte contemporânea brasileira pós-incêndio do acervo de Helio Oiticica. Inicialmente, devo ressaltar a extrema pertinência de tal abordagem jornalística.
Logo de inicio temos o depoimento de Ana Lenice Dias Fonseca da Silva que preocupada com o destino do acervo herdado do seu irmão, o artista plático José Leonilson. Um acervo importante que está armazenado num local inadequado e que não conta com nenhum tipo de seguro. Ana Lenice fala que antes a preocupação era com furtos, agora ela tem a consciência que preservar um acervo exige muito mais do que imaginava. Ela diz que há uma tentativa de acordo com a Pinacoteca. Muito menos confiante, a filha de Lygia Pape, Paula Pape, diz que o incêndio não é capaz de iniciar uma política de aquisição de obras nos museus brasileiros.
Voltando ao caso do“incêndio do Oiticica”, tenho que lembrar que a obra estava no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica da Prefeitura do Rio de Janeiro. Essa informação foi publicada no jornal O Globo, do último domingo. Temos que nos perguntar os motivos que levaram a família a retirar as obras daquele Centro Cultural e colocá-las na sala da casa deles. Segundo o jornal carioca, o local não era adequado. Entao, no lugar de transformar o espaço para manter e expor as obras. Os herdeiros preferiram retirá-la e assumir todas as responsabilidades com a sua manutenção e administração.
Quando a filha de Lygia Pape diz que não acredita que nada vai acontecer. Eu fico pensando: será que nenhum museu do Brasil (e até do mundo) não gostaria de organizar uma exposição com obras desta e de outros artistas contemporaneos?
Realmente, é legitimo o direito de herança. E se “Há casos em que as famílias cobram tão elevadas somas que eventos e exposições desistem de reproduzir em catálogos obras de determinados artistas”, entao, nada mais legitimo do que cobrar sobre a transferência de legados familiares. Ou seja, se a família fica com a obra para ter o controle total sobre o que será realizado com ela, aparentemente, temos a impressão que muitos familiares querem transformar essa obra em renda perpetua. Agora querer apenas o lucro e benefícios e não arcar com os custo é uma situação complicada. Pois, no caso da “fogueira do Oiticica”, quando o acervo foi retirado do centro cultural e do sistema de comodato, a família se tornou responsável automaticamente por tudo aquilo que viria ocorrer com a obra. Agora, o Estado não pode fazer muita coisa por que não há instrumentos para isso.
Qual a solução?
Segundo o jornal paulista, o tombamento e/ou a cobrança de impostos sobre a transferência de legados familiares. Esse imposto poderia incrementar os acervos públicos e dar origens a novos museus.
E o interesse do público por esses artistas contemporâneos?
Quando eu comentei com um amigo sobre o incêndio da obra do Oiticica, a mãe dele pensou que se tratava de alguma planta medicinal. Para ela (e para muitos brasileiros), tal arte (e conseqüentemente, tais artistas) é uma incógnita. Isto ocorre por que a obra deles não é divulgada. As famílias (em vários casos) não permitem nem a reprodução da imagem das obras sem pagar uma quantia estipulada.
Eu fico pensando se (no momento em que a rede Globo faz uma novela bastante popular, onde os personagens principais são artistas e há um questionamento do status da obra de arte contemporânea) não era o momento de promover exposições, debates e artigos sobre a arte contemporânea. Na novela, as obras produzidas por um macaco são consideradas geniais. Por que não discutir essa questão: hoje em dia qualquer coisa pode ser uma obra de arte? Qualquer um pode ser um artista? O que é arte? Só que eu não vi nada em revista ou jornal tentado explicar para o publico médio que arte é essa.
Se houvessem exposições, se esses artistas fossem mais divulgados, se as famílias abrissem mais esse acervo... certamente, haveria mais interesse do público ou dos museus.
Eu tenho certeza disto, pois, aqui em Minas (mais, especificamente, em Inhotim), as reações de pessoas que nunca viu uma obra de arte contemporânea são extremamente positivas. Quando elas entram em contato com essas obras de maneira contextualizada (graças aos trabalhos de monitores e das visitas guiadas) ocorre uma abertura no processo de interpretação e fruição das obras. Tais pessoas passam inclusive a ter um olhar mais critico em relação a formas tradicionais do mundo áudio-visual (novelas, comerciais...)
Acredito que o tombamento e a cobrança sobre essas coleções é a forma mais segura de preservar e garantir o acesso a essas obras.
Observação:
Outro dia, no mesmo jornal Folha de S. Paulo (Ilustrada, E1, 18/10/2009), saiu um matéria sobre uma banda de forró que se tornou um grande fenômeno de publico ao fabricar e distribuir cds gratuitamente. Se tal banda tivesse “guardado na sala de estar” as suas músicas e cds, fatalmente, seria uma ilustre desconhecida para todos os brasileiros.
O que é moderno? O que é modernidade? Qual o papel da arte e da filosofia numa sociedade industrial contemporânea? Textos escolhidos e (ou) redigidos por Ronaldo Campos com o objetivo de pensar\problematizar a contemporaneidade utilizando como ferramenta a sensibilidade estética.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Quem sou eu
- Arte, Filosofia e Modernidade
- Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
- Graduado nos cursos de Filosofia e História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Filosofia da Arte e Estética pela mesma Universidade. Atualmente sou professor assistente b do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em História e Filosofia da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos filosóficos da educação, introdução ao pensamento científico e filosofia da ciência, cinema e artes visuais, aspectos formais da arte, criatividade, processo de criação, estética da formatividade de Luigi Pareyson, cultura e modernidade brasileira.
Um comentário:
Tudo bão professor?
Então, entrei no blog para ver as fotos sobre BH que o sr. tem feito e não as encontrei. Posta elas aí.
Geysson
www.geysson.com
Postar um comentário