
100 maiores músicas brasileiras
(Texto de Ronaldo Campos para a revista Rolling Stone Brasil)
Uma lista com as 100 maiores canções brasileiras é sem sombra de dúvida uma grande idéia, mas fiquei confuso quanto aos critérios que nortearam a construção dessa. Em primeiro lugar, o que se propõe não é uma lista com as “melhores” ou com as “mais belas” canções brasileiras. O que se propõe ser apresentado são as “maiores” canções brasileiras. Eu não sei se o critério é a vendagem, execução ou popularidade. Ou se é as maiores no sentido de as melhores...
Na medida em que ia lendo a lista, pensei que era possível deduzir os critérios fundantes dessa lista analisando os jurados. Contudo, não há na revista nenhuma referência com relação a função ou profissão, idade, veiculo onde trabalha.
Realizei, então, uma segunda inferência: essa lista foi elaborada sem se preocupar com uma metodologia cientifica que poderia representar uma amostragem um pouco mais fiel com o que pensa a população brasileira. É uma amostragem aleatória, onde os critérios que motivaram a escolha são pessoais, emocionais ou afetivos. São escolhas que tem relação com a vida de quem as fez. Por trazer essa subjetividade tão marcada, acredito que podemos descobrir alguns indícios sobre a atual percepção da critica (e talvez dessa revista) sobre a música popular que foi produzida (e ainda é realizada) no nosso país.
A primeira coisa que me chamou atenção foi que das 100 músicas escolhidas apenas 15 delas são anteriores aos anos 50, ou seja, são anteriores ao que nós conhecemos como MPB. Muitos críticos classificam essa música como sendo “velha guarda” (música antiga ou música de velho): a música da época da Rádio Nacional, das serestas, da dor de cotovelo... E algumas dessas gravações não são as originais. Ou seja, mesmo quando a música escolhida é anterior a Bossa Nova e a MPB, optou-se por uma interpretação que se aproxima desse modelo de música mais cult. Só para não ter dúvidas vou citar as 14 músicas: Carinhoso (3), Asa Branca (4), Aquarela do Brasil (12), Brasil Pandeiro (34), Brasileirinho (53), Conversa de Botequim (57), Chão de estrelas (61), Luar do sertão (62), Ronda (70), Rosa (84), Nervos de aço (86), O Mar (94), Tico tico no fubá (92), O Mar (94) e Ultimo desejo (95).
O segundo ponto que quero destacar é grande ênfase na música urbana, prioritariamente, produzida (ou gravada) na região sudeste. Eu sei que há algumas músicas cujo o tema pode ser rural (como o caso de Disparada), mas a forma e a estrutura são urbanas. Há duas exceções: Luiz Gonzaga (citado com Asa Branca, em quarto lugar, e Luar do sertão, o número 62 da lista) e Dorival Caymmi (com O Mar, número 94 da listagem).
A lista também é quase exclusivamente masculina. Apenas uma composição de mulher é citada: A noite do meu bem, de Dolores Duran (no número 98 da lista). Maysa só é citada como interprete de uma música de Bossa Nova, as suas composições são ignoradas. Para não me alongar muito devo lembrar que a maestrina Chiquinha Gonzaga, (responsável por uma revolução social e musical) não é nem ao menos lembrada.
As mulheres aparecem na quase maioria absoluta dos casos como interpretes. Dos cem artistas citados apenas 10 deles são mulheres. Elis Regina aparece quatro vezes (com Casa do Campo (93), Como os nossos pais (43), O bêbado e a equilibrista (36) e Águas de março(4)); Gal Costa, duas vezes (Baby e Vapor Barato). E as outras com apenas uma citação: Dolores Duran (A noite do meu bem – 98), Aracy de Almeida (Ultimo desejo – 95), Ademilde Fonseca (Tico tico no fubá - 92), Maysa (O Barquinho – 85), Inezita Barroso (Ronda – 70), Nara Leão (A banda – 67), Cynara e Cybele (Sabiá – 54), Maria Bethânia (Carcará – 45), Rita Lee (Ovelha Negra – 32)
Eu sei que vocês vão responder que essa é mais uma lista que procura trazer a tona a discussão sobre a musica popular produzida no Brasil. Ou que é uma brincadeira para gerar debates. E assim sucessivamente....
Mas uma lista numa grande revista de circulação nacional com visibilidade mundial não é algo totalmente inofensivo. Pois, ao escolher alguns e “esquecer outros, vocês estão determinando conscientemente (ou não) um padrão, um limite entre o que é de bom gosto e o que não é. Isto para aqueles que estão em formação. Ou seja, uma lista como essa pode levar uma dada pessoa a escolher ou descobrir determinado tipo de música ou de artista. E pode inclusive dizer que uma determinada fase de uma artista é mais relevante que outro. Em suma, essas escolhas não são isentas e tem suas conseqüências a curto, médio e longo prazo.
Por que que a Bethânia escolhida dói a do show Opinião (com Carcará)? E a Bethania que vendeu um milhão de cópias com Álibi? E a Bethânia de “Olhos nos olhos” que foi um sucesso popular nas AMs?
Nessa lista, posso perceber que (voluntariamente ou não) há alguns parametros (juízos previamente formulados) que impedem de escolher uma cantora ou compositora “muito” popular: seja ela uma Marisa Monte ou qualquer outra que faça sucesso entre os setores mais populares da população. Só que esses critérios não são evidentes para o leitor. Por isto podem criar no leitor/ouvinte algumas certezas que irão reforçar verdades e impedir que outras musicas e artistas sejam resgatados ou redimensionados.
Observação: Todas as músicas citadas nessa lista fazem parte da minha discoteca. Todavia, a minha coleção de discos vai muito além. Eu tenho também o outro lado da moeda. Aquele que vocês esqueceram...
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