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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Belo Horizonte: terra estranha


                                                 


                                        CONTO: BH - A CIDADE DE GENTE ESTRANHA

                                                                                                               RONALDO CAMPOS


Belo Horizonte é uma cidade curiosa,  uma terra estranha de gente  muito esquisita... Mas no fundo é um lugar muito bom para se viver. Nas terras das Alterosas, todos os dias, ocorre um grande desfile de coisas, pessoas e histórias muito curiosas.




Como todo lugar do mundo, em algumas situações bem particulares, pobres e ricos são obrigados a conviverem muito a contra gosto. Sempre temos aqueles ricos que gostam de fingir que são pobres. Há também muitos pobres que acreditam que são ricos. Sem esquecer daqueles que são o que são e não fazem questão nenhuma de conviver com os outros. No meio dessas pessoas, há uma certa mulher muito conhecida de todos na capital mineira pelo apelito de Zélia Parte o Menor (ou Zélinha Soma mais nada) . Ela acreditava ser muito respeitada, mas quando era assim chamada ficava claro (que da rua Bonfim até os arredores do bairro Borba Gato) que não passa de um grande nada e que todos nutriam por ela o pior e o maior  desprezo.
A Zelinha (era dessa forma que a sua santa mâe a chamava)  vivia numa casa modesta e muito distante  das mansões e belos apartamentos da burguesia tradicional belorizontina. Um belo dia, ela teve a certeza de que estáva vivendo do lado errado da cidade. Ela não era (e nem se sentia) pobre, simplesmente, estava vivendo um momento bastante pobre. Por isto, certo dia quando contava as suas poucas moedas para comprar uma revista usada de moda, resolveu  que tinha que fazer algo para acabar com essa situação paradoxal. Ela pensou alto (melhor dizendo, ela gritou para todo mundo ouvir):

                                 - "Como uma mulher tão sofisticada quanto eu não tem o reconhecimento e o capital financeiro que mereço? "

O que sei é que essa mulher disse para si mesma que não podia  continuar a ter uma existência miserável se era tão fina. Pois, essa estranha mulher achava que possuia tudo para levá-la ao mundo da revista Caras. Ela sabia o nome de todos os colunáveis. Conhecia o endereço de todos os mais caros restaurantes, a marca de todos os bons vinhos, perfumes ou grifes (apesar de nunca ter provado ou usado nenhum deles).

Zélinha em alguns momentos até chegava acreditar que o mundo real nada mais era do que uma projeção do mundo das idéias. Mas, em outros,  também sabia que o Brasil era uma sociedade capitalista. E sem a posse dos meios de produção, nunca seria parte integrante da elite. E nesse conflito ideológico, a pobre  Zélinha vivia a sua angustia. A única certeza que tinha era o ódio crescente em torno da figura e das idéias marxistas (e também dos conceitos capitalistas).

Todos os dias essa mulher praguejava, gritava e tentava expor todos os seus mais profundos recalques.

Mas o mundo girava e tudo continuava como sempre... Dona Zélia e a sua mais imensa pobreza.

Os dias foram passando... Até que.....

Zélia encontrou um talão de cheques. A dona tinha o mesmo nome que o seu. De início, Zélia pensou em se apossar do talão, mas os seus valores éticos não pertiam tal ato.

Zélia foi até a casa da outra Zélia. De longe, ela viu tudo que aquela mulher possuia. Eram tantas coisas, tudo tão belo, tão novo, tão intocável... Pensou como uma pessoa podia ter tudo e não usufruir nada!



Zélia descobriu que a outra Zélia não saia de casa. Era uma mulher doente. Nenhum vizinho nunca tinha visto a mulher dona de tantas posses.



"Que desperdício! Praguejava Zélia....



Zélia descobriu que os seus valores não eram tão nobres assim. Ela pensou que podia se passar pela outra. Tentou abrir  um buffet chamado "A mais doce Margarina Amarela". Ela acreditava que através dele poderia fazer parte do mundo das celebridades. Mas, nada para ela funcionava.

Tudo sempre ocorria de forma contrária.


Nos seus delírios mais loucos, Zelinha acreditava que no mundo contemporâneo bastava querer. Pensava que qualquer pessoa poderia ser a projeção do seu desejo. Queria ser rica, ter o reconhecimento social, ter cultura e influenciar as pessoas. Contudo, a pobre mocinha descobriu uma coisa muito importante: se os outros também não compartilhassem com tais visões de nada adiantaria tanto fervor do seu desejo. Por isto, a pobre moça quis se apossar do que era da outra.


Mas, as coisas não aconteceram da forma como ela queria. Tentou abrir um negócio próprio. Mas, acabou sendo desmascarada e ficou no ostracismo por alguns anos. Não conseguia emprego, não tinha dinheiro. Ela guardou um chave velha de carro para pendurar na sua bolsa. Acreditava ser esse objeto o único que lhe garantiria um resto de dignidade no capitalismo. A chave do carro representaria todos os bens de consumo que sempre sonhou ter e nunca pode usufruir. Era o símbolo dos sonhos capitalistas. Quando segurava aquela chave e entrava em algum lugar tinha a impressão de que todos iriam pensar nela como uma mulher bem sucedida e feliz. Mas, no mundo real, as coisas eram muito diferentes.
Os dias para ela passavam lentamente. Vivia da caridade das amigas que sempre compravam algumas roupas que ela mesma fabricava. Eram peças tão feias que acabavam no fundo do guarda roupa das poucas amigas que tinha. Assim, mais um sonho de Zélia se perdeu na escuridão do esquecimento.






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Quem sou eu

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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Graduado nos cursos de Filosofia e História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Filosofia da Arte e Estética pela mesma Universidade. Atualmente sou professor assistente b do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em História e Filosofia da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos filosóficos da educação, introdução ao pensamento científico e filosofia da ciência, cinema e artes visuais, aspectos formais da arte, criatividade, processo de criação, estética da formatividade de Luigi Pareyson, cultura e modernidade brasileira.