Forma e Formatividade - Aspectos introdutórios da estética pareysoniana
Ronaldo Campos
A estética pareysoniana nasce e se desenvolve no terreno da hermenêutica. O conceito de formatividade é o seu tema central e este, como será mostrado no decorrer deste capítulo, possui fundamentalmente um caráter interpretativo, que gera por sua vez um conceito de arte como lugar privilegiado da interpretação da verdade. Para Pareyson, a pesquisa sobre a verdade é em sua totalidade uma pesquisa de cunho histórico, que pode ser sintetizada nos seguintes termos: Qual é a verdadeira solução para um determinado problema histórico? Não se trata aqui de empreender uma busca que tenha por objetivo o estabelecimento arbitrário de um valor único que se adequa a todos os casos possíveis, visto que os problemas históricos mudam continuamente, não se repetem e são infinitos. Entretanto, a historicidade e a relatividade de cada evento histórico não podem prejulgar a imutabilidade, a unicidade e as características de absoluto. Então, a verdadeira solução referente a diversidade dos problemas históricos será ao mesmo tempo infinita, pois infinitos são os problemas históricos, e única, porque esta é a única solução possível de um dado problema histórico.
“O caráter absoluto da verdade e a historicidade da verdade não constituem uma radical contradição: pelo contrário, uma não é possível sem a outra. Cada filosofia é ao mesmo tempo definitiva e histórica: definitiva porque não se pode suprimir da pesquisa histórica a exigência do caráter absoluto da verdade, pois o seu valor especulativo reside no seu valor de verdade; histórica, porque insuperável é a situação histórica de onde emerge o problema e porque o problema que tem que ser respondido é historicamente determinado.”[1]
A coessencialidade entre o caráter absoluto da verdade — que como postulado, guia a pesquisa — e a condicionalidade histórica da verdade — que como fato condiciona a pesquisa —, não é outra coisa senão a marca de uma coessencialidade mais profunda, ou seja, a da afirmação do ser e da minha identidade com os problemas históricos. A afirmação do Ser é uma afirmação pessoal, neste sentido histórica, “... porque eu mesmo sou uma afirmação do ser enquanto sou existente na perspectiva do ser”: não posso afirmar o ser senão quando me afirmo enquanto sou, nem posso afirmar o que sou senão quando afirmo o ser. Pareyson aqui redimensiona duas questões bem distintas, primeiro, o problema da verdade como sendo eminentemente ontológico, segundo, o problema da pesquisa acerca da verdade como especificamente histórico. O caminho encontrado está na valorização da natureza interpretativa e múltipla do conhecimento humano.
Portanto, a problemática referente a pesquisa pareysoniana da verdade “...não é exclusivamente gnoseológica, mas principalmente metafísica ou melhor ontológica”[2], pois a filosofia é o trabalho pessoal do filosofo. Assim diferentemente da verdade, a filosofia não pode ser considerada como única, inexaurível e supra-temporal, uma vez que enquanto conhecimento humano e interpretação da verdade, o saber filosófico é de per si plural e histórico, singular e pessoal.
“A filosofia é una — não única — e o que assegura essa unidade é uma espécie de diálogo, através do qual a verdade é buscada sob diferentes perspectivas. Cada filosofia responde a determinados problemas, sendo sempre historicamente situada, sem que com isso ocorra qualquer comprometimento da universalidade e unidade de suas conclusões: são ‘livres possibilidades’ da filosofia una, cada uma das quais absoluta e definitiva. A multiplicidade da filosofia não implica que o caráter de suas conclusões seja empírico, nem tampouco sua universalidade implica o reconhecimento de uma conclusão como negação dos demais.”[3]
Em suma, a filosofia é aprofundamento, interpretação, explicação de uma singular perspectiva pessoal, ou seja, é o conhecimento da vida mesma do indivíduo. “Cada pessoa é uma singularíssima perspectiva acerca da realidade: que traz consigo uma chave para interpretar o mundo, única e diferente das outras”.[4] E como não nos é dada a possibilidade de alcançar a forma definitiva e total da verdade, cada formulação histórica é por seu turno a verdade mesma e a sua interpretação faz parte da sua constituição. Uma única formulação da verdade não consegue exaurir todo o seu conteúdo, porque a sua natureza é essencialmente aberta a múltiplas interpretações.
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NOTAS
[1] PAREYSON. Esistenza e persona, p. 150.
[2] RUSSO. Esistenza e libertà, p.167.
[3] ABDO. Arte e historicidade na estética de Luigi Pareyson, p.194.
[4] PAREYSON. Esistenza e pernsona, p.153.
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