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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Lendo Imagens, interpretando formas, contemplando obras

Lendo Imagens, interpretando formas, contemplando obras
రోనాల్డ్ కామ్పో
Ronaldo Campos

Quando escolhi esse titulo “Lendo Imagens, interpretando formas, contemplando obras” o fiz pensando no seguinte fato: é certo que o nosso ato de ver sempre precede as palavras. Qualquer um de nós, antes mesmo de poder verbalizar ou teorizar, ainda na nossa primeira infância, já olhamos e reconhecemos o mundo que nos cerca. Posteriormente, esse ato que estabelece o nosso lugar no mundo, é seguido por outro, onde usamos as palavras para explicar o mundo, as nossas relações culturais e sociais.

Isto signfica que a maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos, em poucas palavras, o nosso olhar procura um significado para as coisas, as imagens através da nossa bagagem cultural.

Por exemplo, na idade média, quando o homem acreditava na realidade física do inferno, a visão do fogo tinha um significado bem diferente do que tem hoje.

Só vemos aquilo que olhamos. E olhar é um ato de escolha.
Como resultado dessa escolha , aquilo que vemos é trazido para o âmbito do nosso alcance.

Nunca olhamos para uma coisa apenas. Estamos sempre olhando para a relação entre as coisas e nós mesmos.

Nossa visão está continuamente ativa, em movimento perpetuo.

Toda imagem incorpora uma forma de ver. Mesmo o cinema e a fotografia. Cinema e fotografia não são registros puramente mecânicos.

O fotografo / cineasta: * selecionou a cena / fez uma composição / enquadrou a partir dos muitos elementos disponíveis na realidade circundante.
* o fotografo / cineasta montou / editou / sonorizou / produziu efeitos sobre a cena

Embora toda imagem incorpore uma maneira de ver, nossa percepção ou apreciação de uma imagem depende do nosso modo de ver.

As imagens foram a principio feitas para evocar as aparências de algo ausente.

Aos poucos foi se tornando evidente que uma imagem pudesse ultrapassar em duração aquilo que ela representava.

O conceito de forma pode ser entendido como um tipo de organismo,[1] algo dotado de:
a) vida própria,
b) irrepetível na sua singularidade,
c) exemplar no seu valor,
d) independente na sua finalidade interna,
e) perfeito na sua intima lei de coerência,
f) inteiro na adequação recíproca entre as suas partes e o todo,
g) acabado e aberto, ao mesmo tempo, na sua definitude que contém um infinito.

Todo operar humano é sempre pessoal.
O operar humano tem sempre um duplo caráter:
a) por um lado, tende a executar formas e,
b) pelo outro, exprime a totalidade da pessoa.

Com efeito, o esforço de formação e o elã de plasmação que definem o operar humano são sempre dirigidos por um sujeito que, por sua vez, vive como forma em desenvolvimento, sempre já concretizado em uma definitividade concluível e determinada, e que na direção que imprime às novas plasmações inclui o inconfundível caráter da própria forma, condensando-a e refrangendo-a num só movimento.

Todo ato da pessoa tende a definir-se em uma forma que seja dotada desse mesmo caráter de totalidade viva que qualifica a pessoa.

E todo ato e todo estado da pessoa trazem a marca inconfundível da pessoa, contendo-a toda, retratando-a, exprimindo-a.

Por um lado, a pessoa é uma forma que revela e exprime totalmente em cada um de seus estados e de seus atos e, pelo outro, todo ato da pessoa é necessariamente plasmador e figurador, e tende à realização de formas.

Todo ato da pessoa é formativo e expressivo ao mesmo tempo”[2].

Ao fazer arte, o artista:
a) não só não renuncia à própria concepção do mundo, às próprias convicções morais, aos próprios intentos utilitários,
b) mas ainda os introduz, implícita ou explicitamente na própria obra, onde eles vêm assumidos sem serem negados;

Se a obra é bem sucedida, sua própria presença se converte numa contribuição ativa e intencional ao seu valor artístico e a própria avaliação da obra exige que se os tenha em conta.
Além disso, a arte não consegue ser tal sem a confluência dos outros valores nela, sem sua contribuição e apoio, de modo que dela emana uma multiplicidade de significados espirituais e se anuncia uma variedade de funções humanas.”[3]


Quando a imagem é apresentada como obra de arte, o modo pelo qual as pessoas olham é afetado por toda uma serie de premissas apreendidas sobre arte. Suposições a respeito de beleza, verdade, gênio, civilização, forma, status, gosto...

Há um consenso geral quanto ao fato de que, na interpretação da obra de arte, nunca se pode esperar uma resposta unívoca e definitiva, nem muito menos um processo que esteja plenamente concluído.

O revelar-se da obra de arte nunca é finalizado e toda proposta de interpretação é passível de revisão/aprofundamento — sempre pode ocorrer nova situação, que poderá ou enriquecer ou contestar, ou limitar, ou ainda corrigir tal interpretação.

Assim sendo, o que salta à vista é uma infinidade de interpretações possíveis — as interpretações são muitas, tantas quantas as pessoas que se aproximam de uma determinada obra e as circunstâncias que se dão tais aproximações.


Pelo fato de todo operar humano ser sempre pessoal, o único conhecimento do qual ele pode dispor é precisamente a interpretação, entendida como modo de conhecimento necessário, múltiplo e infinito, processual, constituído de sucessivas tentativas e sempre aprofundável.


É na infinidade inexaurível da forma e da pessoa que se funda a infinidade qualitativa da interpretação.

No ato de interpretar sempre há, por um lado, uma pessoa que vê e observa, a partir de um singularíssimo ponto de vista, formado ao longo da vida ou intencionalmente adotado; e por outro, uma forma que se vê e se observa.

Esta é vista de uma dada perspectiva, que a ressalta de um determinado modo, onde se condensa e se revela por inteiro, e é observada na sua totalidade, em seus infinitos aspectos, segundo uma bem determinada direção.

A partir daí, pode-se dizer que toda forma se oferece integralmente em cada particular aspecto e singular perspectiva em que se mostra ou se impõe.

“...o caráter da forma é justamente a contemplabilidade, isto é, a beleza, de tal sorte que o processo de interpretação com que se chega a um juízo moral ou especulativo acerca de uma obra prática ou de pensamento termina por se encontrar com o caráter de forma que ela necessariamente possui, e portanto acaba em juízo estético.[4]


A interpretação ocorre quando se instaura uma simpatia, uma congenialidade entre um dos infinitos aspectos da forma e um dos infinitos pontos de vista da pessoa.

Interpretar algo significa conseguir sintonizar toda a sua realidade através da adequação entre um dos seus aspectos e a perspectiva pessoal de quem a olha.

O que exige sempre um processo, que é infinito, passível de revisão, múltiplo, sempre novo e diverso, sem por isso assumir um caráter de mera aproximação ou perder-se no subjetivismo e no relativismo.

É um tipo de processo no qual é preciso procurar uma correspondência entre um ponto de vista pessoal e um dos aspectos da obra; assim, quem interpreta a obra deve, necessariamente, compreendê-la a partir de um olhar hábil e atento, vigilante e controlado, dúctil e preciso, agudo e multiforme, caso contrário a revelação não acontece e a vontade de penetração fica frustrada, desemboca na incompreensão.

Durante todo esse processo, o interprete sempre fica com a sensação de que algo escapou, ou seja, de que a obra não foi compreendida na sua totalidade.

Por mais contraditório que isto possa soar, Pareyson afirma que o risco constante da incompreensão é sem sombra de dúvida um dos fatores essenciais que constituem o processo de interpretação, que apenas pode se considerado um pleno êxito quando for tanto uma vitória consciente quanto uma superação ativa da permanente ameaça de insucesso que ronda todo o seu desenvolvimento.

Ao procurar a imagem que traduza uma coisa e ao tentar representá-la quando ainda não determinou a diferença entre “coisa” e “imagem”, a interpretação se encontra em movimento.
Ao interpretar, sabe-se que a imagem tem que ser imagem de algo, mas não se sabe ainda o que é a coisa nem se essa seria a sua imagem, porque a coisa não é ainda essa coisa, mas uma proposta, um ponto de partida, um apelo, e a imagem não é ainda a sua imagem, mas uma hipótese, uma figura apenas esboçada, um esquema.

O movimento da interpretação é um processo de formação, e o repouso em que culmina a interpretação é contemplação. Com efeito,

“...o movimento da interpretação, precisamente enquanto figura o ponto de partida [spunto] acolhido, passo a passo propõe as imagens em que possa culminar tal figuração e, por conseguinte, passo a passo inventa novas figuras, procurando e tentando a adequação final em que coincidem imagem e coisa e, por isso, dispondo este seu trabalho em um processo destinado a descobrir uma forma na qual encerrar e concluir a figuração da coisa. Processo de formação, portanto, é processo de invenção e produção ao mesmo tempo. De outro lado, o repouso no qual culmina o mobilíssimo processo da interpretação é o seu cumprimento, ou seja, a descoberta, o achado, a formação realizada, a invenção conseguida, a produção adequada e portanto é o aplicar-se de uma atenção tensa e irrequieta em uma contemplação agora muda e tranqüila, é a perfeita adequação entre um ato de contemplação e a contemplabilidade de uma forma definida e concluída”[5].

A contemplação, como conclusão do processo de interpretação, consiste no ver a forma como forma.

Aquilo que, durante o processo de interpretação, era um ponto de partida mal esboçado, torna-se imagem nítida e precisa, em que se reconhece o sentido daquilo que atenta e minuciosamente se investigava.

Não se trata mais de inventar novas figuras para testá-las e experimentá-las, para verificar se está aí o sentido da coisa interpretada, pois agora a figura já se encontra produzida e encontrada, e se fez imagem, e é uma forma definida e precisa.

Observar a forma enquanto forma significa interpretá-la, encontrar o seu sentido. Não há mais aqui a necessidade de ao apreendê-la aguçar o olhar, porque este se fez vidente e, portanto, contemplante.

À contemplação, enquanto conclusão do processo de interpretação, está ligada a um sentimento de prazer, isto é, a visão da forma satisfaz o interprete ao percorrer as partes circulando idealmente pela coerência e equilíbrio que vincula cada uma delas a uma totalidade definida e perfeita.

Com efeito, se a contemplação como conclusão do processo de interpretação consiste em ver a forma enquanto forma, e se ver a forma como forma é gozar da forma, deve-se dizer que são características essenciais da forma a contemplabilidade e fruibilidade.

Sendo contemplável e fruível, a forma se oferece à contemplação no próprio ato de se mostrar como tal, e diante dela nada resta a fazer senão deter-se admirando-lhe a harmonia, pois as suas partes vivem da vida do todo. Toda a fruição se dá na harmonia formal, na sua aderência à finalidade que ela é em si mesma, na sua perfeição interna que não depende de referências extrínsecas, no seu caráter definido e determinado, irrepetível e inconfundível, na sua vida e equilíbrio e adequação recíproca entre as partes e o todo.

A obra de arte — sendo uma forma pura — é o que há de mais interpretável e comunicável.

A sua característica comunicativa se encontra em toda a sua realidade física, e não remete a um significado que a transcenda, porque a sua própria existência é o seu significado, isto é, espiritualidade e fisicalidade coincidem plenamente. É neste sentido que a obra de arte pode ser entendida como a coisa mais compreensível de todas, sem necessidade de intermediários para se revelar.

“O seu ser constitui um dar-se, sua existência é manifestação, e ela mesma irradia o seu próprio significado e difunde o seu próprio segredo. Sem dúvida, é esta precisamente a razão que a torna, por um outro aspecto, a coisa mais difícil de compreender, pois não se trata de captar o significado de uma presença física, o sentido de uma realidade material, o espírito de um corpo, mas de saber considerar a própria presença física como significado, a própria realidade material como sentido profundo, o próprio corpo como alma e espírito. Assim o espectador se acha diante da alternativa de não perceber senão uma simples presença e um objeto mudo ou de sentir-se atingir uma eloqüente e inexaurível mensagem. Isso depende apenas do seu modo de olhar, pois assim que a forma se põe em foco, logo se tira todo impedimento do difuso discurso da obra.”[6]

A forma é de per si interpretável, e uma vez que não pode existir interpretação que não seja ao mesmo tempo interpretação de forma, esta é fundamentalmente aberta e comunicativa. Sendo acessível a toda interpretação que busque penetrá-la e revelá-la, ela mesma se entrega ao processo interpretativo solicitando-o e orientando-o.
[1]Segundo Pablo Blanco Sarto, Pareyson atribui a origem do conceito de organismo a Aristóteles que o define como ser vivo dotado de uma finalidade própria (Les parties des animaux. I, 645a, 14-15). Esta noção aparece, nos seus escritos de biologia, implicitamente e com referência aos seres da natureza. Portanto, tal noção não aparece na sua obra a Poética. Todavia, continua Sarto, é sabido que o conceito de forma em Aristóteles possui um significado metafísico, não biológico e nem tampouco estético. Portanto, o que Pareyson chama de forma é o que o Estagirita designou por organismo.

[2]PAREYSON. Estética, p.177-8.
[3]Ibidem. p.45
[4]PAREYSON. Estética, p.22.
[5]PAREYSON. Estetica, p.194.
[6]PAREYSON. Estética, p.270-1.Lendo Imagens, interpretando formas, contemplando obras

Quando escolhi esse titulo “Lendo Imagens, interpretando formas, contemplando obras” o fiz pensando no seguinte fato: é certo que o nosso ato de ver sempre precede as palavras. Qualquer um de nós, antes mesmo de poder verbalizar ou teorizar, ainda na nossa primeira infância, já olhamos e reconhecemos o mundo que nos cerca. Posteriormente, esse ato que estabelece o nosso lugar no mundo, é seguido por outro, onde usamos as palavras para explicar o mundo, as nossas relações culturais e sociais.

Isto signfica que a maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos, em poucas palavras, o nosso olhar procura um significado para as coisas, as imagens através da nossa bagagem cultural.

Por exemplo, na idade média, quando o homem acreditava na realidade física do inferno, a visão do fogo tinha um significado bem diferente do que tem hoje.

Só vemos aquilo que olhamos. E olhar é um ato de escolha.
Como resultado dessa escolha , aquilo que vemos é trazido para o âmbito do nosso alcance.

Nunca olhamos para uma coisa apenas. Estamos sempre olhando para a relação entre as coisas e nós mesmos.

Nossa visão está continuamente ativa, em movimento perpetuo.

Toda imagem incorpora uma forma de ver. Mesmo o cinema e a fotografia. Cinema e fotografia não são registros puramente mecânicos.

O fotografo / cineasta: * selecionou a cena / fez uma composição / enquadrou a partir dos muitos elementos disponíveis na realidade circundante.
* o fotografo / cineasta montou / editou / sonorizou / produziu efeitos sobre a cena

Embora toda imagem incorpore uma maneira de ver, nossa percepção ou apreciação de uma imagem depende do nosso modo de ver.

As imagens foram a principio feitas para evocar as aparências de algo ausente.

Aos poucos foi se tornando evidente que uma imagem pudesse ultrapassar em duração aquilo que ela representava.

O conceito de forma pode ser entendido como um tipo de organismo,[1] algo dotado de:
a) vida própria,
b) irrepetível na sua singularidade,
c) exemplar no seu valor,
d) independente na sua finalidade interna,
e) perfeito na sua intima lei de coerência,
f) inteiro na adequação recíproca entre as suas partes e o todo,
g) acabado e aberto, ao mesmo tempo, na sua definitude que contém um infinito.

Todo operar humano é sempre pessoal.
O operar humano tem sempre um duplo caráter:
a) por um lado, tende a executar formas e,
b) pelo outro, exprime a totalidade da pessoa.

Com efeito, o esforço de formação e o elã de plasmação que definem o operar humano são sempre dirigidos por um sujeito que, por sua vez, vive como forma em desenvolvimento, sempre já concretizado em uma definitividade concluível e determinada, e que na direção que imprime às novas plasmações inclui o inconfundível caráter da própria forma, condensando-a e refrangendo-a num só movimento.

Todo ato da pessoa tende a definir-se em uma forma que seja dotada desse mesmo caráter de totalidade viva que qualifica a pessoa.

E todo ato e todo estado da pessoa trazem a marca inconfundível da pessoa, contendo-a toda, retratando-a, exprimindo-a.

Por um lado, a pessoa é uma forma que revela e exprime totalmente em cada um de seus estados e de seus atos e, pelo outro, todo ato da pessoa é necessariamente plasmador e figurador, e tende à realização de formas.

Todo ato da pessoa é formativo e expressivo ao mesmo tempo”[2].

Ao fazer arte, o artista:
a) não só não renuncia à própria concepção do mundo, às próprias convicções morais, aos próprios intentos utilitários,
b) mas ainda os introduz, implícita ou explicitamente na própria obra, onde eles vêm assumidos sem serem negados;

Se a obra é bem sucedida, sua própria presença se converte numa contribuição ativa e intencional ao seu valor artístico e a própria avaliação da obra exige que se os tenha em conta.
Além disso, a arte não consegue ser tal sem a confluência dos outros valores nela, sem sua contribuição e apoio, de modo que dela emana uma multiplicidade de significados espirituais e se anuncia uma variedade de funções humanas.”[3]


Quando a imagem é apresentada como obra de arte, o modo pelo qual as pessoas olham é afetado por toda uma serie de premissas apreendidas sobre arte. Suposições a respeito de beleza, verdade, gênio, civilização, forma, status, gosto...

Há um consenso geral quanto ao fato de que, na interpretação da obra de arte, nunca se pode esperar uma resposta unívoca e definitiva, nem muito menos um processo que esteja plenamente concluído.

O revelar-se da obra de arte nunca é finalizado e toda proposta de interpretação é passível de revisão/aprofundamento — sempre pode ocorrer nova situação, que poderá ou enriquecer ou contestar, ou limitar, ou ainda corrigir tal interpretação.

Assim sendo, o que salta à vista é uma infinidade de interpretações possíveis — as interpretações são muitas, tantas quantas as pessoas que se aproximam de uma determinada obra e as circunstâncias que se dão tais aproximações.


Pelo fato de todo operar humano ser sempre pessoal, o único conhecimento do qual ele pode dispor é precisamente a interpretação, entendida como modo de conhecimento necessário, múltiplo e infinito, processual, constituído de sucessivas tentativas e sempre aprofundável.


É na infinidade inexaurível da forma e da pessoa que se funda a infinidade qualitativa da interpretação.

No ato de interpretar sempre há, por um lado, uma pessoa que vê e observa, a partir de um singularíssimo ponto de vista, formado ao longo da vida ou intencionalmente adotado; e por outro, uma forma que se vê e se observa.

Esta é vista de uma dada perspectiva, que a ressalta de um determinado modo, onde se condensa e se revela por inteiro, e é observada na sua totalidade, em seus infinitos aspectos, segundo uma bem determinada direção.

A partir daí, pode-se dizer que toda forma se oferece integralmente em cada particular aspecto e singular perspectiva em que se mostra ou se impõe.

“...o caráter da forma é justamente a contemplabilidade, isto é, a beleza, de tal sorte que o processo de interpretação com que se chega a um juízo moral ou especulativo acerca de uma obra prática ou de pensamento termina por se encontrar com o caráter de forma que ela necessariamente possui, e portanto acaba em juízo estético.[4]


A interpretação ocorre quando se instaura uma simpatia, uma congenialidade entre um dos infinitos aspectos da forma e um dos infinitos pontos de vista da pessoa.

Interpretar algo significa conseguir sintonizar toda a sua realidade através da adequação entre um dos seus aspectos e a perspectiva pessoal de quem a olha.

O que exige sempre um processo, que é infinito, passível de revisão, múltiplo, sempre novo e diverso, sem por isso assumir um caráter de mera aproximação ou perder-se no subjetivismo e no relativismo.

É um tipo de processo no qual é preciso procurar uma correspondência entre um ponto de vista pessoal e um dos aspectos da obra; assim, quem interpreta a obra deve, necessariamente, compreendê-la a partir de um olhar hábil e atento, vigilante e controlado, dúctil e preciso, agudo e multiforme, caso contrário a revelação não acontece e a vontade de penetração fica frustrada, desemboca na incompreensão.

Durante todo esse processo, o interprete sempre fica com a sensação de que algo escapou, ou seja, de que a obra não foi compreendida na sua totalidade.

Por mais contraditório que isto possa soar, Pareyson afirma que o risco constante da incompreensão é sem sombra de dúvida um dos fatores essenciais que constituem o processo de interpretação, que apenas pode se considerado um pleno êxito quando for tanto uma vitória consciente quanto uma superação ativa da permanente ameaça de insucesso que ronda todo o seu desenvolvimento.

Ao procurar a imagem que traduza uma coisa e ao tentar representá-la quando ainda não determinou a diferença entre “coisa” e “imagem”, a interpretação se encontra em movimento.
Ao interpretar, sabe-se que a imagem tem que ser imagem de algo, mas não se sabe ainda o que é a coisa nem se essa seria a sua imagem, porque a coisa não é ainda essa coisa, mas uma proposta, um ponto de partida, um apelo, e a imagem não é ainda a sua imagem, mas uma hipótese, uma figura apenas esboçada, um esquema.

O movimento da interpretação é um processo de formação, e o repouso em que culmina a interpretação é contemplação. Com efeito,

“...o movimento da interpretação, precisamente enquanto figura o ponto de partida [spunto] acolhido, passo a passo propõe as imagens em que possa culminar tal figuração e, por conseguinte, passo a passo inventa novas figuras, procurando e tentando a adequação final em que coincidem imagem e coisa e, por isso, dispondo este seu trabalho em um processo destinado a descobrir uma forma na qual encerrar e concluir a figuração da coisa. Processo de formação, portanto, é processo de invenção e produção ao mesmo tempo. De outro lado, o repouso no qual culmina o mobilíssimo processo da interpretação é o seu cumprimento, ou seja, a descoberta, o achado, a formação realizada, a invenção conseguida, a produção adequada e portanto é o aplicar-se de uma atenção tensa e irrequieta em uma contemplação agora muda e tranqüila, é a perfeita adequação entre um ato de contemplação e a contemplabilidade de uma forma definida e concluída”[5].

A contemplação, como conclusão do processo de interpretação, consiste no ver a forma como forma.

Aquilo que, durante o processo de interpretação, era um ponto de partida mal esboçado, torna-se imagem nítida e precisa, em que se reconhece o sentido daquilo que atenta e minuciosamente se investigava.

Não se trata mais de inventar novas figuras para testá-las e experimentá-las, para verificar se está aí o sentido da coisa interpretada, pois agora a figura já se encontra produzida e encontrada, e se fez imagem, e é uma forma definida e precisa.

Observar a forma enquanto forma significa interpretá-la, encontrar o seu sentido. Não há mais aqui a necessidade de ao apreendê-la aguçar o olhar, porque este se fez vidente e, portanto, contemplante.

À contemplação, enquanto conclusão do processo de interpretação, está ligada a um sentimento de prazer, isto é, a visão da forma satisfaz o interprete ao percorrer as partes circulando idealmente pela coerência e equilíbrio que vincula cada uma delas a uma totalidade definida e perfeita.

Com efeito, se a contemplação como conclusão do processo de interpretação consiste em ver a forma enquanto forma, e se ver a forma como forma é gozar da forma, deve-se dizer que são características essenciais da forma a contemplabilidade e fruibilidade.

Sendo contemplável e fruível, a forma se oferece à contemplação no próprio ato de se mostrar como tal, e diante dela nada resta a fazer senão deter-se admirando-lhe a harmonia, pois as suas partes vivem da vida do todo. Toda a fruição se dá na harmonia formal, na sua aderência à finalidade que ela é em si mesma, na sua perfeição interna que não depende de referências extrínsecas, no seu caráter definido e determinado, irrepetível e inconfundível, na sua vida e equilíbrio e adequação recíproca entre as partes e o todo.

A obra de arte — sendo uma forma pura — é o que há de mais interpretável e comunicável.

A sua característica comunicativa se encontra em toda a sua realidade física, e não remete a um significado que a transcenda, porque a sua própria existência é o seu significado, isto é, espiritualidade e fisicalidade coincidem plenamente. É neste sentido que a obra de arte pode ser entendida como a coisa mais compreensível de todas, sem necessidade de intermediários para se revelar.

“O seu ser constitui um dar-se, sua existência é manifestação, e ela mesma irradia o seu próprio significado e difunde o seu próprio segredo. Sem dúvida, é esta precisamente a razão que a torna, por um outro aspecto, a coisa mais difícil de compreender, pois não se trata de captar o significado de uma presença física, o sentido de uma realidade material, o espírito de um corpo, mas de saber considerar a própria presença física como significado, a própria realidade material como sentido profundo, o próprio corpo como alma e espírito. Assim o espectador se acha diante da alternativa de não perceber senão uma simples presença e um objeto mudo ou de sentir-se atingir uma eloqüente e inexaurível mensagem. Isso depende apenas do seu modo de olhar, pois assim que a forma se põe em foco, logo se tira todo impedimento do difuso discurso da obra.”[6]

A forma é de per si interpretável, e uma vez que não pode existir interpretação que não seja ao mesmo tempo interpretação de forma, esta é fundamentalmente aberta e comunicativa. Sendo acessível a toda interpretação que busque penetrá-la e revelá-la, ela mesma se entrega ao processo interpretativo solicitando-o e orientando-o.
[1]Segundo Pablo Blanco Sarto, Pareyson atribui a origem do conceito de organismo a Aristóteles que o define como ser vivo dotado de uma finalidade própria (Les parties des animaux. I, 645a, 14-15). Esta noção aparece, nos seus escritos de biologia, implicitamente e com referência aos seres da natureza. Portanto, tal noção não aparece na sua obra a Poética. Todavia, continua Sarto, é sabido que o conceito de forma em Aristóteles possui um significado metafísico, não biológico e nem tampouco estético. Portanto, o que Pareyson chama de forma é o que o Estagirita designou por organismo.

[2]PAREYSON. Estética, p.177-8.
[3]Ibidem. p.45
[4]PAREYSON. Estética, p.22.
[5]PAREYSON. Estetica, p.194.
[6]PAREYSON. Estética, p.270-1.

Quem sou eu

Minha foto
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Graduado nos cursos de Filosofia e História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Filosofia da Arte e Estética pela mesma Universidade. Atualmente sou professor assistente b do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em História e Filosofia da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos filosóficos da educação, introdução ao pensamento científico e filosofia da ciência, cinema e artes visuais, aspectos formais da arte, criatividade, processo de criação, estética da formatividade de Luigi Pareyson, cultura e modernidade brasileira.